Mensagem

Faça seu comentário no link abaixo da matéria publicada.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

QUE AS PRÓXIMAS HORAS NÃO SEJAM AS ÚLTIMAS DO DIA

Cheguei ao mundo muito tarde o grande evento que aconteceu por volta das 18 horas. Já eram quase 21 horas quando cheguei. Tudo já estava decidido e a festa já corria solta. Muita gente que participou deste evento/reunião não se deu conta de que a partir dali se concretizariam novos rumos para a estrutura da sociedade, mas não sem promover tensões. Outras reuniões como esta já haviam acontecido mais cedo, mas para nós, esta foi, sem dúvida, a mais importante e, embora a pauta não estivesse tão bem definida, é a que pauta nossa vida até hoje. Bom, não posso dizer por eles, mas imagino que os que tiveram à frente desta reunião não tinham toda a clareza e nem estiveram muito preocupados em mensurar a proporção que os desdobramentos tomariam e quão perniciosos poderiam ser.

Como cheguei atrasado, o mínimo que posso fazer é tentar entender os caminhos que decidiram tomar para assim, poder entender o que está acontecendo agora, poucas horas depois. Não é tarefa fácil, pois além de ser necessário entender o que aconteceu nas últimas horas, durante minha pequena permanência aqui, preciso tentar vislumbrar o que vai acontecer antes do dia acabar e deixar, ainda que um recado, para os que chegarão mais tarde, pois acredito que muitos chegarão e, quando eles chegarem, talvez sejam mais habilidosos do que temos sido para postergar o fim do dia.

Algum filósofo há muito tempo, já sugeriu que sob o prisma da humanidade o nosso tempo de vida é uma gota d'água no oceano e, de modo similar, sob o prisma da idade da Terra nossa vida duram poucos minutos. O oceano é imenso, é profundo, é raso, é escuro, é claro, é agitado, é tranquilo, é assustador e ao mesmo tempo admirável. Mas, infelizmente nós, gotas d’água, talvez não tenhamos nos conscientizado para o fato de que, querendo ser diferentes, nos destacar, não querendo ficar tão ao fundo, seja individualmente, seja em grupos, podemos comprometer a perenidade desta maravilha que é o oceano.

O ser humano, entendido como o ser vivo dos seres vivos, aquele que está acima dos demais animais por ser “racional”, tem sido muito mais irracional do que imagina. Quem estava aqui às 18 horas não vive mais, e nós, atrasados ou não, aqui chegamos. Preocupados com nossas tarefas, com nossos desejos, com nossos próprios “nós”, parece que acabamos por nos esquecer de um precioso fato: não basta reproduzir a espécie para reproduzir a vida.

Embora não tenhamos estado aqui às 18 horas, recebemos um pacote dos que aqui estavam, e notadamente parece ser difícil imaginar que este pacote possa ser substituído, tão já, por algo novo. Pode ser que este grande evento tenha sido não o melhor, mas o menos pior sistema já experimentado pelos seres humanos, mas está muito longe de ser o ideal. Está ai, é o que temos, quando nascemos ele já existia e quando morrermos, acredito eu, ele ainda estará ai, em pleno vigor. Cuidado, não se trata de 'aceitar a vida como ela é'. A questão é que este pacote nos tornou mais individualistas e menos livres ao no impor padrões, além de ser intrinsecamente desigual e nem tão justo quanto dizem.
A livre iniciativa, a liberdade de expressão, a democracia, a propriedade privada, ganharam nossa simpatia e há motivos de sobra para justificarmos as razões pelas quais. Mas esse quadro pintado esconde coisas por trás, e o nosso 'sucesso' ou 'bem-estar' não dependem somente da 'livre iniciativa'.

Acreditamos na 'liberdade de expressão' mas nem sempre nos damos conta de que as informações à que temos acesso carregam consigo boas doses de parcialidade. Passamos a pensar que o voto é o ápice da nossa condição de cidadãos e não refletimos sobre o modelo de 'democracia representativa', aliás, como boas gotas d'água, preferimos nos recolher à nossa pequenez e acreditar que não há o que fazer e assim contribuímos para a manutenção do status quo. Acreditamos que teremos tudo o quanto quisermos se assim nos esforçarmos para tal, mas nem sempre entendemos porque queremos ter tanto. Esforçamo-nos para ter 'a minha casa' e para encher 'a minha barriga' e somos inclinados a pensar que a fome e a moradia precária se devem ao fato de não estarem se esforçando o suficiente para terem o que precisam, atribuindo ao indivíduo toda a responsabilidade pelo seu insucesso e perpetuando a falsa ideia de que todos, sem exceção, 'competem' com as mesmas armas e, portanto em pé de igualdade.

Por estas e outras razões nos distraímos, e com pequenas coisas nos roubam os minutos que temos, nos impedindo de olhar, refletir e compreender nossa condição sob um prisma mais amplo, pois nossos minutos passam rápido demais para nos preocuparmos com os minutos de 'todos os demais' e menos ainda com os minutos dos que virão depois.

Esse pacote que recebemos impõe um modo de vida, que há existia quando nascemos e que estamos perpetuando. Esse pacote permitiu à humanidade coisas grandiosas, porém não temos conseguido dar respostas a problemas relativamente simples, o da fome, por exemplo, que nos parece não ser um problema de escassez material. O problema é que, se não enxergarmos sob um prisma que exceda nosso tamanho, nossos minutos se passarão e não teremos dado nossa contribuição para os que virão depois de nós e que, poderão mudar a pauta e, quem sabe, se reúnam e façam melhor que nós.

Há potencial de crescimento econômico em diversos países, mas não paramos para pensar se o 'modelo' de crescimento é o mais adequado. O crescimento pode vir, mas o desenvolvimento não necessariamente. Precisamos aprender a fazer diferente e melhor, para evitar que as próximas horas sejam de caos. É incontestável que os Estados Unidos da América (EUA) são o baluarte do capitalismo, o modelo mundial de sociedade 'desenvolvida' e, mais uma vez sob um ponto de vista de muitas horas, precisamos refletir sobre o fato de que se este 'modelo' pode ser reproduzido e sustentado por mais quantas horas.

O que poderia acontecer se outras grandes economias quiserem adotar para si um modelo de desenvolvimento similar ao do 'baluarte'? Se os padrões de produção e consumo do 'baluarte' se disseminarem por muitos outros países, o que aconteceria? Sem mudanças, sem novos rumos no processo produtivo, caso continuemos o caminho que estamos trilhando, estaremos acelerando o processo de catástrofes climáticas.
Precisamos de uma nova agenda de desenvolvimento, de um novo pacote que seja construído nos próximos minutos e que paute a atuação da humanidade para as próximas horas, tarefa ingrata, incompreendida, que não atrai atenção popular e que não angaria voto.

A mudança precisa começar nas bases, nos alicerces da sociedade. Falo da educação, da cultura, do acesso á formação é à informação, da politização. Talvez não tenhamos minutos suficientes para ver um sistema de sociedade muito diferente do atual, mas precisamos pensar no que queremos para os que virão.

Se quisermos um mundo melhor, sem pobreza, menos desigual e mais livre, precisamos nos atentar para o fato de que este mundo só será possível se pensarmos para além dos minutos que temos.

Pode ser contraditório, paradoxal, mas ainda acredito na humanidade. Espero que os que estão por vir não se decepcionem tanto quanto poderão com os seus antepassados, nós. Que possamos começar algo melhor para que os que estão por vir o desenvolvam e desfrutem, corrigindo o que há para ser corrigido, reformando o que há para ser reformando, jogando no lixo o que não serve mais e renovando.

Precisamos provar e fazer jus à “racionalidade” que dizemos que temos. Precisamos parar de olhar só para o nosso próprio relógio, pois ele funciona por pouquíssimo tempo, e começar a olhar para o tempo sob o ponto de vista da humanidade. As próximas horas virão, e elas não necessariamente precisam ser cinzentas, penosas, vazias. Se nós não fazemos as escolhas, outros farão por nós.

Roberto Rodrigues
Economista, Especialista em Economia Social e do Trabalho, Mestrando em Desenvolvimento Econômico junto ao Instituto de Economia da UNICAMP, Professor do ISCA Faculdades e Economista Associado à LMX Investimentos.

rodriguesrobertto@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça seu comentário sobre o Post