Podemos
começar essa conversa dizendo que em outras épocas, como por exemplo, na época
da ditadura militar era muito fácil caracterizar uma pessoa como militante,
pois tinham aquelas que assistiam a tudo sem entender nada, as que achavam que
a ditadura podia ser ruim, porém necessária, os colaboradores do regime e os que
discordavam da situação e lutavam por liberdade. Esses últimos eram os militantes
políticos contra a ditadura.
Como
é ser um militante nos dias de hoje? Que causa ou problemas pode unir a humanidade?
Como fazer com que as pessoas excluídas do processo transformem suas insatisfações
e sonhos num ato de militância? Ainda existem movimentos populares autênticos?
Segundo
alguns estudiosos, ser militante é estar engajado numa causa e comprometido com
todas as consequências que por ela advir. Indo mais além, diria que ser
militante é amar a vida e a liberdade, é construir alternativas que caibam
aquelas pessoas que nunca chegariam lá pelas suas próprias pernas, é jamais colocar
preço em suas atitudes, nem mesmo repetindo os erros que condenamos, com o
pressuposto de que depende do resultado final. Diria ainda que ser militante é
fazer uma opção clara de que lado está e para onde devia caminhar a humanidade.
A
militância requer uma causa humanitária, que por não ser pessoal, envolve
outras pessoas e em muitos casos desprovidas de posses, conhecimentos e,
sobretudo de oportunidades. É exatamente nesse ponto que emoção e razão se
encontram. O que move a militância por uma causa é antes de tudo a
solidariedade, movida exclusivamente pelo coração. Um nobre sentimento, que sai
do corpo e invade a alma e o que era apenas um, vai absorvendo novas energias e
acumulando forças e antes que a dor invada seu ser por completo, tornam-se
vários e o campo de luta se estabelece.
A
partir desse momento, ganhar ou perder nem é o mais importante e sim a possibilidade
do renascimento, da recriação, da possibilidade de se tornar um ser humano
melhor e quem sabe cumprir sua missão de vida.
Vale
o registro de que quando se tem uma causa e se opta a lutar por ela, o ser
humano às vezes vai à radicalidade se necessário, o que não pode e nem deve é ter uma visão cega, negando as vezes até uma sua própria autocrítica. Não é atoa
que Paulo Freire dizia que todo militante é um radical quando descobre sua razão,
porém jamais poderá ser um sectário, principalmente porque o sectarismo leva à
intolerância.
Principalmente
nos municípios brasileiros, o que não falta são motivos para que as pessoas se
juntem e defendam seus direitos suprimidos. Uma grande parte dos governantes governam para si e seu grupo de apoio e não para e com a população. A falta de atuação dos movimentos
populares leva a população necessitada a desacreditar da própria existência. A participação
e a militância nos diversos movimentos se transformam na esperança de uma vida
melhor.
É
importante apenas não esquecer que enquanto as conquistas não se concretizarem,
a luta continua. Essa continuidade exige das lideranças um verdadeiro exemplo de
vida, onde a ética e o respeito sejam os principais valores, capazes de transformar
essa atitude na adesão de novos militantes para que a chama da liberdade nunca
morra. O que não é possível é o uso por parte desses militantes dos movimentos e dos espaços políticos para se beneficiarem. Enquanto houver uso, desigualdades, discriminação e injustiças haverá
militantes lutando para que um dia todos sejam iguais.
Para
quem sonha com uma sociedade se reinventando de baixo para cima, como era o
sonho de Paulo Freire, a militância será vista como uma poesia que vai contando a história a partir
de cada conquista. Quem sabe para esses militantes autênticos, a militância não seja o refúgio dos
sonhadores e o momento em que se descobre que nunca a pessoa que luta estará só.
Como
dizia Paulo Freire: "A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação,
exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de
quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela
precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta
sozinho, as pessoas se libertam em comunhão."
Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro1608@gmail.com