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terça-feira, 24 de março de 2015

Reforma Política (Parte 1)

             
                                       Israel Gonçalves

Estão na pauta da famigerada reforma política. Como é conveniente, para alguns parlamentares, as mudanças serão pontuais e não alcançam os anseios da sociedade. Os itens que poderão ser votados são: “a desincompatibilização de cargos no Executivo para disputa da reeleição, o fim das coligações proporcionais e as mudanças nas regras para criação de partidos”, segundo o site de notícias do Senado.

A questão da desincompatibilização de cargos no Executivo para disputa da reeleição é algo necessário. Caso seja aprovada a medida, o Presidente, o Governador ou o prefeito que queira se reeleger deverá pedir licença do cargo durante período eleitoral. A medida é um avanço, já que, atualmente, os candidatos do executivo podem se candidatar a outros cargos e permanecerem nos seus postos. Porém não será discutido a situação dos parlamentares que se candidatam a outros cargos públicos e ficam nos seus mandatos, muitos usando o gabinete e a máquina pública a seu favor.

Já o fim das coligações proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) é importante, mas os anseios da população estão pautados pela verticalização das alianças partidárias. Pois a população não aguenta mais ver os partidos políticos fazendo coligações sem critérios, alianças com partidos diferentes, perdendo o eixo ideológico, quando tem, e promovendo um fisiologismo partidário inconsequente. As coligações só serão válidas para a eleição majoritária (presidente, senador, governador e prefeitos). Acredito que é necessário o retorno da verticalização das alianças, ou seja, quando o partido faz uma aliança na esfera nacional, essa deve ser mantida nas esferas estaduais e municipais.

Outra medida importante é a mudança na regra para criação de partidos. Pelo atual sistema eleitoral, é necessária a assinatura de 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, isso significa aproximadamente 500 mil votos. A proposta do senador Valdir Raupp (PMDB-RO) indica para criação de um novo partido político com, pelo menos, 1% do eleitorado nacional, ou seja, cerca de 1,3 milhão.

Essas mudanças vão transformar a realidade eleitoral brasileira, mas é pouco e não chega próximo ao que é necessário para aprimorar o sistema eleitoral. A mudança estrutural está no fim do financiamento privado das campanhas eleitorais. Para legitimar de forma democrática essas medidas, o parlamento deveria fazer um referendo sobre essas medidas, incluindo dessa forma, a sociedade civil no debate da reforma política.

Israel Gonçalves é cientista político, professor universitário e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti. Editora Nova Edições Acadêmicas (2014).

E-mail: educa_isra@yahoo.com.br

Os caminhos para superação da herança do neoliberalismo


A herança herdada do Neoliberalismo apontou sempre para uma sociedade mercantilista e com sérios problemas na gestão das políticas publicas. O enfrentamento do desmonte do Estado Brasileiro foi feito de maneira pouco consistente.   Quando o Partido dos Trabalhadores chega a ganhar as eleições presidenciais de2002, ele faz uma opção clara de um governo de Conciliação Nacional, como já apontava a Carta ao Povo Brasileiro antes das eleições daquele período. Esta opção feita teve o seu preço a pagar. Quando a elite brasileira, rachada pela crise do capitalismo e desconfiada da capacidade política da direita em conduzir o país ao enfrentamento das crises cíclicas do capitalismo, opta pelo apoio ao governo do Partido dos Trabalhadores e o faz de forma consciente sabendo que ela iria ganhar muito com isto e assim aconteceu. Apesar disto o que vimos neste período foi um avanço nas políticas publicas muito grande neste país, sobretudo as políticas que começaram a inserir os pobres na sociedade.

Superar este tipo de aliança com a elite brasileira e, sobretudo os partidos políticos que a representam no Congresso Nacional é a tarefa primordial para superar a herança deixada pela direita conservadora e neoliberal. E na atual conjuntura histórica do Brasil, na qual o país está inserido e na atual situação que o Estado brasileiro se encontra organizado, esta aliança já se esgotou, porque os passos dados pelo governo do PT nos anos iniciais com Lula na presidência de reforma do Estado com a inversão da visão macro econômica em relação às prioridades do Estado se esgotaram e chegou a hora de se fazer as grandes reformas estruturantes do País que levará a sociedade brasileira há outro patamar.

E para se fazer estas Reformas serão necessárias que se faça  o enfrentamento com as elites brasileira, porque neste debate estaremos em lados opostos. São cinco fundamentais Reformas que colocarão o Brasil na vanguarda do enfrentamento do Capital e que internamente trará uma politização das bases sociais que deverão ser o sustento deste amplo debate. Reforma dos Meios de Comunicação, Reforma Política, Reforma da Previdência, Reforma Agrária/ Urbana e Reforma do Judiciário. Na atual correlação de forças em que se encontra o governo a Reforma dos Meios de Comunicação é para mim a que deve o campo das reformas, por dois motivos; primeiro, porque é um debate que no bojo central une as esquerdas e os Movimentos Sociais estes mesmo que na hora crucial em que o projeto de sociedade capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e é isto que necessitamos neste momento e segundo porque sem uma Reforma nos Meios de Comunicação nós correremos sérios risco de perder o debate na sociedade das outras reformas, pois a elite tem se organizado em torno dos meios de comunicação que dão eco as suas demandas.

Estes são os passos para a superação dos percalços causados pelo neoliberalismo na sociedade brasileira, e para podermos iniciar de fato um caminho que priorize as camadas menos favorecida da sociedade brasileira.   

Bruno Francisco Pereira
Sociólogo - Conselheiro Tutelar de Americana SP
Aluno de Pós-Graduação em Gestão e Políticas Públicas
Fundação Perseu Abramo
brunofrancisco77@hotmail.com

segunda-feira, 23 de março de 2015

Os dois Brasis que a população mais humilde não conhece

Existe nos bastidores do poder uma guerra invisível permanente pelo controle do país, que a população menos informada ou menos participativa, jamais ficará sabendo, pois continua ainda muito distante da maioria da população, o conhecimento do que venha a ser esquerda e direita, ou ainda quem são os defensores dos projetos sociais não assistencialistas e quem defende apenas o deus mercado em nome do desenvolvimento. O que venha a ser direitos humanos, que nada tem com a defesa de bandidos e aqueles que defendem a redução da maioridade penal, sem ao menos defenderem uma política de recuperação dos presos, com uma medida, por exemplo, dos mesmos trabalharem quando estão aprisionados.

Como discutir desenvolvimento com a população, com a elite defendendo que só eles podem estudar e serem empreendedores? Como dizer para os moradores da periferia das grandes cidades que foi a elite e o desenvolvimento excludente que os colocaram ali? Como alertá-los que os candidatos da elite não os representam?

É nessa confusão terminológica e de valores, alimentada por uma mídia partidária e golpista, que se estabelece o modelo de atuação política de parlamentares e gestores e principalmente das gestões dos órgãos públicos. O modelo vigente é aquele em que o mandato de um político pertence a ele mesmo e os gestores de um órgão público transformam o espaço onde estão em “caixinhas de poder”, apenas para resolverem seus problemas ou de seu grupo de atuação. O ódio da classe dominante e da elite vem justamente da desconstrução dessa lógica, fazendo com que a população exerça de fato o direito de participação e controle social para todas as políticas públicas e para as ações de governo.

Vale a pena ressaltar que é a indústria do poder que mantém a corrupção, numa aliança entre o corruptor e o corrupto. Não é atoa que o ódio atual vem também do fato de que agora, através da Lei 12.846/14 (Lei Anticorrupção), seja possível prender corruptos e corruptores. Antes de qualquer discussão os eleitos deveriam vir à público explicar quanto custou de fato suas campanhas.

O Governo Federal está pagando caro pelo fato de não ter criado canais alternativos de comunicação. Enquanto a ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária tem como principal projeto dar voz ao povo, através das Rádios e TVs Comunitárias, a ABERT – Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão promove uma devassa para fechamento desses veículos comunitários em nome da lei. Não estamos falando daquelas rádios e tvs disfarçados de comunitárias, onde um dono se disfarça de ONG, mas daquelas nascidas e administradas por uma entidade e um conselho democraticamente formado para discussão da grade de programação. O espectro que é uma concessão pública passou a ter dono e os canais comunitários foram tratados como subversivos perante o poder econômico.

O que se viu nos últimos vinte anos foram muitas prisões de equipamentos e perseguição pela Polícia Federal aos instrumentos comunitários. É por essa e por outras razões, que o país encontra-se refém de seis famílias abastadas, que detém nada mais nada menos que 75% de todos os meios de comunicação. Trata-se de um setor elitista que controla o que se fala, o que se vê e o que se lê, induzindo as pessoas a odiarem o social e amarem o deus mercado, ou ainda apoiarem descaradamente um candidato, como fez a Globo e demais canais de comunicação com o Collor e recentemente com Marina e Aécio Neves nas últimas eleições. Uma mídia partidária e que incentiva um golpe, como visto nas últimas manifestações de 15 de março.

Não há dúvidas que por conta disso e outras questões, como por exemplo, o medo de uma mulher ser bem sucedida como presidenta, ou ainda o pavor da volta de Lula em 2018, se passa a ideia de que o Brasil está dividido e, portanto resistente a qualquer mudança que altere o processo da zona de conforto, que a classe média e a elite conservadora desfrutaram até pouco tempo atrás.

Em seu último texto, o teólogo Leonardo Boff chamava a atenção para o centro da crise ao afirmar sem medo de errar, que a questão principal não é de ordem econômica e sim política e social. As manifestações do último dia 15 não deixaram dúvidas. Patricinhas e coxinhas de toda espécie coloriam o cenário com palavras de ordens de pura intolerância, que se avizinhavam do que foi e é o fascismo. A maioria da população não conhecia de perto essa parte do país. Esse não é o país que queremos para nossos filhos e nossos netos. Um país onde apenas a elite possa comer, estudar, trabalhar, ter um teto e principalmente desfrutar das melhores coisas com o dinheiro sofrido, seja dos trabalhadores ou dos contribuintes que pagam seus impostos em dia, enquanto a maioria deles sonega o que pode. Isso tem que ser tratado também como corrupção.

As manifestações da elite, como foram patrocinadas pelos canais de televisão e alguns afortunados, tiveram o privilégio de ter transmissão ao vivo, bem diferente do protesto do último dia 13, onde se contava gente apenas pelo foco da câmera, enquanto que a do dia 15 se contava de helicóptero para dar uma dimensão ampliada. Uma demonstração de que lado está essa mídia e de onde sempre esteve sem contar o enredo de ódio contra o PT e contra a Dilma. Todos nós sabemos que o alvo é acabar com o PT, com o governo Dilma e principalmente com Lula pelo medo das próximas eleições.

Essa turma não sabe perder. Aliás, não se conforma com a derrota nem da candidata do Itaú e muito menos com a derrota do playboy do Leblon.

Leonardo Boff, em seu texto “O que se esconde atrás do ódio ao PT I”, cita um trecho do clássico do historiador José Honório Rodrigues: Conciliação e Reforma no Brasil (1965), onde o mesmo diz com palavras que parecem atuais:

“Os liberais no império, derrotados nas urnas e afastados do poder, foram se tornando além de indignados, intolerantes; construíram uma concepção conspiratória da história que considerava indispensável a intervenção do ódio, da intriga, da impiedade, do ressentimento, da intolerância, da intransigência, da indignação para o sucesso inesperado e imprevisto de suas forças minoritárias” (p. 11).

Em regras gerais, trata-se de um ódio de classe alicerçado na cultura da Casa Grande, que considera grande parte da população brasileira como os herdeiros da Senzala e encaram os projetos sociais como se fossem financiados pelo seu dinheiro, na maioria dos casos ganho através da mais valia pela pura exploração dos trabalhadores. Esse fato pode ser ilustrado pelas empreiteiras, que nunca ganharam tanto dinheiro em suas vidas e muitas delas ainda mantém trabalhadores em regime de escravidão.

Não se pode generalizar, porém quem se pauta pelo PIG – Partido da Imprensa Golpista, que atua como o quarto poder e que foi conivente com os golpes que a democracia sofreu ao longo do tempo, não se pode esperar outra coisa senão a possibilidade de um novo golpe.

A sensação que ficou desde a última eleição é que aquele Brasil gentil e hospitaleiro perdeu sua identidade e foi invadido por uma nação de zumbis racistas, fundamentalistas, machistas e principalmente que odeiam os pobres, criados por ação ou por omissão, dos alpendres da Casa Grande. Estamos caminhando para um país desenvolvido ou estamos regredindo aos tempos do império? 

Nesse momento que a mídia e a elite querem dividir o Brasil, também me sinto senzala e já fiz a minha opção. Na defesa do governo que incluiu mais de 40 milhões de brasileiros e tirou o país do mapa da fome da ONU, nos encontraremos nas ruas.

Assim, só resta um caminho e uma palavra de ordem: 
SENZALAS DO BRASIL UNI-VOS – A LUTA MAL COMEÇOU! 



Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em gestão pública e social
tonicordeiro1608@gmail.com

terça-feira, 17 de março de 2015

Atual conjuntura e a fragilidade da democracia

É momento de refletir. Em especial nos últimos anos e na atual conjuntura que na interarticulação dos movimentos sociais indo às ruas defender direitos dos trabalhadores, saem em também com um número expressivo de milhares de brasileiros na desqualificação do projeto nacional posto.

Não haverá neste artigo uma defesa por si do governo Dilma, mas do reconhecimento das políticas sociais, combate a corrupção e enfrentamento da pobreza que assolava milhões de famílias no país. Na contramão dessas conquistas, relativos declínios de direitos trabalhistas, porém o foco da Direita brasileira não está na perca de direitos, mas no ódio enraizado aos pobres.

Fato é que entre os melhores ou piores momentos do Brasil no recorte dos 12 últimos anos, o que mais cresceu por parte da burguesia brasileira foi a visão preconceituosa em relação aos homossexuais, mulheres, juventude além de expressões racistas e criminalizadoras aos movimentos populares.

Não se trata de erros ou acertos, para a Direita apenas a possibilidade de odiar as diferenças, basta para disseminar palavras de ódio e desejar um país pior para justificar sua despolitização quando o assunto é de interesse coletivo.

Em um breve resgate temporal, lembremos que a “cura gay”, as palavras racistas nos estádios, a resistência em aceitar que as empregadas domésticas tenham direitos trabalhistas e até a pena de morte diária de jovens negros pela polícia se legitimaram socialmente na última década.

Na contramão do maior período democrático, pós-golpe militar, a burguesia no seu ódio aos pobres deseja a volta da mesma. Desejam de forma democrática o fim da democracia.

Creio que é momento de refletir, de ousar. Ao ler sobre o teatro alemão, as peças shakespearianas nos ensinam que toda tragédia exige uma por si a revolução.

Na atual conjuntura não está em jogo a perda de um governo, mas a perda de direitos sociais. Não é uma questão de maiorias e sim de desejos individuais contra conquistas coletivas. É momento de ousar, construir a defesa dos direitos sociais conquistados e contrapôr o ódio disseminado pela mídia golpista e pela elite brasileira que utiliza do analfabetismo político na classe média  seu escudo para manutenção de seus privilégios.

No conjunto da classe trabalhadora e dos movimentos sociais ouvimos um grito: Constituinte para mudar o sistema político. Quando? Já!.

Leonardo Koury: Poeta mineiro, petista e militante dos movimentos sociais

segunda-feira, 16 de março de 2015

P S D B

Israel Gonçalves

Os partidos políticos são fundamentais para uma sociedade democrática. Estudar as ações dos partidos internamente e na esfera pública é uma forma de compreender seus objetivos e suas incoerências. Um dos principais partidos do Brasil é o PSDB e analisá-lo é entender seu projeto político, ou a falta dele, para o país.

Nas eleições para a Câmara dos Deputados Federais os caciques do PSDB, Aécio Neves, José Serra e Aloisio Nunes tiveram que ligar para seus deputados para votarem em Júlio Delgado (PSB). Muitos dos deputados tucanos queriam votar em Eduardo Cunha (PMDB), que ganhou o pleito. Esse fato mostrou como o PSDB no Congresso é indisciplinado. Outro fato é a derrota de Aécio Neves, nas eleições de 2014, pois como não tem projeto para o país, tenta se camuflar deixando a barba crescer e se confundir com o ex-presidente Lula da Silva. Seria piada se não fosse real.

Já o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), vivencia uma das piores crises na área da educação. Os cerca de 50 mil professores do Estado estão em greve há semanas e mais de 900 mil alunos estão sem aulas. Os servidores públicos da educação também aderiam à greve. O secretário da Fazenda, segundo a Folha de São Paulo do dia 26/02/2015, afirmou que foi falha na gestão e, por isso, o cenário econômico é de crise. O governador, para ser reeleito prometeu muitos benefícios aos professores, porém gastou além do orçamento no primeiro mandato, prejudicando suas promessas de campanha. O valor da dívida com os professores já chega a 116 milhões de reais.

No município de Limeira/SP, cidade com 208 mil eleitores, o conflito interno do PSDB está sendo discutido via Justiça. O que acontece é que a diretoria do PSDB local não quer aceitar a filiação de 290 eleitores. Estes nomes são indicados pelo assessor peessedebista empregado no gabinete do prefeito municipal.  A questão é mais complexa do que aceitar ou não fichas de filiação. O fato é que a atual diretoria do PSDB é oposição ao governo municipal e busca, por meio da convenção partidária, uma candidatura própria para 2016. Todavia, o PSDB tem cargos dentro da estrutura administra do governo, o que inviabiliza o discurso crítico do PSDB ao governo do município.  

Podemos entender que na esfera federal o PSDB não tem disciplina partidária. Na estadual o partido não consegue fazer gestão quando é governo e provoca uma das maiores greves da história do Estado do Paraná. No município citado o partido silencia sobre fichas de filiação e se contradiz no discurso. Esses fatos são evidências de que o partido não tem projeto político para o Brasil, onde governa se instala a desordem e internamente é autoritário e se contradiz, pois não aceita novos filiados, mantendo o velho staff que manda no partido e critica uma administração de que faz parte.

Israel Gonçalves é cientista político, professor universitário e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti. Editora: Nova Edições Acadêmicas (2014).

E-mail: educa_isra@yahoo.com.br

terça-feira, 10 de março de 2015

O que Paulo Freire quis dizer com o carrossel

Certa vez numa das raras conversas que tive com o grande Paulo Freire, na organização do I Congresso Brasileiro de Alfabetização realizado em São Paulo, quando ele era Secretário de Educação do Governo Erundina e eu participava do GETA – Grupo Estadual de Trabalho em Alfabetização de Adultos e era coordenador de um grupo de mutirão habitacional, perguntei a ele como conduzir aquela entidade de forma apropriada, onde todos se sentissem seguros e comprometidos com o trabalho.

A entidade era a Associação de Construção Comunitária por Mutirão Novo Horizonte em São Bernardo do Campo, onde junto com mais 199 famílias de sem tetos sonhávamos com o direito de ter uma casa própria, num momento onde isso parecia praticamente impossível.

A resposta dele foi surpreendente, pois me respondeu com uma metáfora. Disse-me ele, após ouvir o relato de como eram as famílias, de onde vieram, a falta de apoio e de políticas públicas dos governos nacional, estadual e municipal e a inquietação daquela comunidade querendo casa e achando que estava sendo usada: “Conduzir uma entidade como essa é como cuidar de um carrossel. Sabe aqueles banquinhos do carrossel, não giram harmoniosamente em volta de um eixo que os seguram e dar ritmo? Quando vocês encontrarem o eixo central do trabalho de vocês, também encontrarão respostas para as principais perguntas e tudo irá caminhar de forma natural”. Disse ainda: “O ritmo do trabalho de vocês será determinado pela forma que vocês o conduzirem. Quanto mais gente comprometida no processo, mais forte será o eixo central, como se fossem aqueles banquinhos”.

Voltei intrigado com a necessidade de decifrar o enigma proposto por ele. A primeira atitude foi fazermos um seminário em busca de soluções, com a participação dos dez grupos de trabalho que já havia na entidade, que eram os tais banquinhos. Um dos grupos foi decisivo e apresentou uma proposta que a nosso ver contemplava o que estávamos procurando. Os membros do grupo chegaram à conclusão de que mutirão era o ato de sair do individual para o coletivo. Algo tão amplo e tão simples ao mesmo tempo, que parecia óbvio, mas não era. Estava ali o desafio da integração e da interação dos membros da entidade.

Na verdade, Paulo Freire queria nos passar a ideia de que quando se governa ou se conduz um projeto coletivo, ou todos os membros que fazem parte do trabalho estão alinhados em busca de um resultado comum, ou não haverá um resultado para todos e sim apenas para alguns.

Cientificamente falando, essa resposta de Paulo Freire está expressa no formato de um organograma celular, onde o único objetivo estratégico é fazer com que o projeto central, ou seja, o que move a organização ou o trabalho tenha sucesso. Só entendemos isso de fato, ao levar a ele a resposta e ele comentar sobre a essência central do trabalho.

Nessa forma de gestão, de nada adianta um setor se desenvolver se não contribuir para o resultado comum integrado. Assim, cada vez que um setor se individualiza, coloca em risco o objetivo final coletivo. 

Numa prefeitura, por exemplo, cada vez que um secretário transforma seu setor numa “caixinha de poder”, estará prejudicando o Plano Estratégico de Governo, sem contar que estará desrespeitando o direito de participação e de controle social por parte da população.

É importante salientar que se torna impossível fazer um trabalho girar como o carrossel que Paulo Freire propôs se não houver integração de governo, planejamento e principalmente sistematização das tarefas cotidianas. Tudo vira urgência quando as ações não são planejadas e a população continua a se decepcionar por não fazer parte do texto ou ainda do contexto de processo de governança.

Nessa minha caminhada com os cursos de gestão pública pelo país afora, me deparei com prefeitos e prefeitas que governam de forma tão simples e participativa, que até parecem que já governam a diversos mandatos, enquanto outros e outras governam para si.

Na minha perspectiva, governar é isso, basta que os governantes tenham um bom Plano de Governo gerado e mantido de forma participativa, uma equipe comprometida com essa forma de governar e principalmente vontade política de enxergar o ato de governar, não como um fim em si mesmo, mas como um meio efeito para as mudanças necessárias na sociedade, em busca de uma sociedade justa, fraterna e igual para todos e todas.

Imagino que Paulo Freire queria ainda nos passar a visão de que não podemos revolucionar a sociedade como um todo, ou nem mesmo o espaço onde estamos governando, mas é bem possível reinventar e revolucionar a várias mãos o nosso micro espaço de poder.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com

domingo, 1 de março de 2015

Em busca de uma nova forma de governar

Nos mais de 40 cursos de gestão pública ministrados até o momento em várias partes do país, um assunto tem tido uma discussão acalorada. Porque alguns governantes e alguns gestores do primeiro, segundo e até do terceiro escalão, quando estão em exercício de suas funções, não se consideram mais povo, ou seja, um ser normal e sim alguém que uma divindade o iluminou e o destacou para ser representante da população? O que ocorre na cabeça dessas pessoas que chegam a mudar a voz, a forma de andar, de vestir e principalmente a forma de relacionamento a partir de então com seus subalternos, com a população e até com pessoas próximas?
Em geral se comportam como se uma entidade os tivesse incorporado. Não são mais as mesmas pessoas. Por estarem sempre estressadas tratam os subalternos aos gritos, para provar quem manda ou em muitos casos simplesmente os ignoram. Em ambas as situações, normalmente essas pessoas são odiadas, tanto na vida pública como na vida privada.
No caso dos gestores, um dos fatos observado é que a partir de então não dispõem mais de tempo, para situações que consideram sem importância, como por exemplo, uma reunião com a população ou mesmo com seus colaboradores, fato constatado quando fazemos a pesquisa com os servidores “O governo quer ouvir você”. A maior reclamação deles e demais colaboradores é que ninguém senta com eles sequer para discutir uma tarefa, quanto mais para planejar uma ação.
Esse tipo de comportamento, não só afasta a população do direito de participação e de controle social, como principalmente repete uma prática perniciosa, onde esses gestores pela simples necessidade de continuidade no que chamam de poder mudam de forma inexplicável perto das próximas eleições, em busca de reeleição ou de sucessão.
O debate nos curso leva os participantes a concluírem que esse tipo de atitude faz parte de um processo cultural conservador, onde a população é levada a não acreditar na política, não participar dos movimentos sociais e muito menos buscar entender a função da política e dos políticos, além do senso comum de que todos são iguais e por isso não merecem crédito. Assim, uma grande parte da população vota em qualquer um por obrigação ou influenciada pelo marketing eleitoral e paga caro, porém ao jogar a culpa na política e nos políticos, se julga isenta de sua responsabilidade.  
A grande pergunta que fica no ar é: como ser um legítimo representante se não há vínculos e nem mesmo uma simples discussão que pudesse levar a construção de um projeto participativo? Isso faz com que a velha política tenha que se reinventar para conquistar o mínimo de respeito da população. Porém, como fazer isso diante da mídia partidária e pertencente a apenas poucas famílias abastadas, que se apresenta como o quarto poder? Isso se constitui num enorme desafio a ser enfrentado pela boa política e pelos militantes de uma causa.
Outra questão levantada pelos participantes vem do fato de que quando essas pessoas saem da vida política, ou saem bem financeiramente porque usaram a máquina em benefício próprio, ou caso contrário entram em crise existencial por não terem construído nenhuma alternativa profissional.
Ao analisar de forma mais conceitual essas afirmações, chegamos à conclusão que Michel Foucault nos ofereceu os referenciais para afirmarmos: “O poder está à margem da loucura”. Quem não souber utilizá-lo para servir a uma causa, por ele será usado e sem que perceba, virará outra pessoa. Trata-se de um modelo vertical de comando, onde a maioria dessas pessoas preferem serem temidas do que amadas, ou ainda fingirem que são lideres, quando na verdade nem chefes de uma missão conseguem ser.
Infelizmente esse tipo de gestor, gestão e de relacionamento com a sociedade é o utilizado numa grande parte das organizações públicas do Brasil. Assim sendo, governar de forma ética, integrada, transparente e participativa, portanto uma gestão horizontal chega a ser subversivo aos olhos de quem necessita a população bem longe, para que não se aproxime dos códigos do poder.
Há evidente necessidade da busca de uma nova forma de governar, partindo do pressuposto que o ato de governar não é um fim em si mesmo e sim um meio para as mudanças efetivas da sociedade. Porém, isso requer que os gestores cheguem à conclusão de que governar, antes de ser uma atividade pública seja ou se transforme num ato de militância constante de uma causa, que antes de ser partidária faça parte do projeto de vida de cada um deles.
A caminhada em busca desse objetivo começa quando o ser político e social se perguntar qual é a sua missão e estiver disposto a aprender e reaprender e ainda a discutir com os atores sociais qual o melhor caminho para realizar seus sonhos.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Samba Político


Um dos fatos que levou nosso sistema político ao descrédito da sociedade civil é a falta de coerência entre as alianças partidárias. O atual contexto das coalizões partidárias descaracteriza até o próprio conceito de partido, isto é, partido como um grupo de pessoas que se reúne em torno de uma proposta, ou ideologia, e visa atuar de forma a mudar ou manter um tipo de relação social, de comportamento ou de sistema político e normativo com a sociedade.  Nessa configuração, uma parte significativa dos nossos partidos, em sua atuação, são, na realidade, agremiações que buscam fins próprios.
Um caso que demonstra o samba político e a falta de unidade partidária no Brasil é o jogo feito entre o Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). No âmbito nacional o PSDB apoiou o candidato Júlio Delgado do PSB à presidência da Câmara dos Deputados Federais, buscando construir uma oposição no Congresso Nacional contra o governo federal do PT. Já em Limeira o PSDB tenta construir um discurso de oposição contra a administração municipal.  O PSB de Limeira-SP decidiu nas eleições de 2014 apoiar a candidata Dilma Rousseff do PT à presidência da República e ao mesmo tempo o partido apoiava o atual governador à reeleição, Geraldo Alckmin do PSDB.  Outro caso enigmático, o PSDB que apoia o PSB no âmbito nacional, mas que não apoia o PSB de Limeira, tem alguns de seus militantes em cargos comissionados no governo municipal.

Não há democracia efetiva sem partidos organizados e com projetos coerentes. Uma parte significativa dos nossos partidos organiza-se pelo mandonismo, onde há um líder que manda na organização de forma unilateral. Esses partidos têm projetos de tomada de poder pelo poder apenas, e com baixo compromisso com a sociedade civil.  A falta de projetos foi a característica das eleições de 2014 e também no início desse ano, quando ficou evidente que o marketing político do PSDB de São Paulo resolveu escamotear a crise hídrica que ocorre no Estado para favorecer seu candidato a reeleição (e de fato conseguiu votos de voluntários para ser reeleito). As distorções que os partidos produzem no sistema político brasileiro gera aquele sentimento, na nação, de que os partidos são apenas fisiologistas e oportunistas, mudando o discurso e configuração política a cada momento, essas atitudes colaboram para o fracasso do nosso sistema político. Por tanto, é preciso uma reforma política que crie leis que impeçam o samba político dos partidos e, como isso, nosso sistema política contribua para o aperfeiçoamento da nossa democracia.

Israel Gonçalves é cientista político, professor e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti. Editora Novas edições Acadêmicas.


Artigo publicado no Jornal Gazeta de Limeira dia 16/02/2015. 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O estilo Chanel no mundo corporativo


Helena Cortinhas e Israel Gonçalves

Há uma falta de renovação de líderes no mercado privado e muitos dos líderes são do sexo masculino. Porém, existe uma perspectiva de a mulher conquistar um espaço maior nesse mercado com caraterísticas de liderança.

No processo histórico o homem foi o provedor financeiro do lar, é a partir do século XX que as mulheres atingiram posições melhores. Com o passar do tempo, as mulheres foram conquistando espaço e ocupando cargos de liderança. Hoje existe um empoderamento feminino, ou seja, as mulheres são líderes de si mesmas, e estão exercendo a liderança naquilo que forem fazer e/ou empreender, contribuindo assim para um mundo melhor, mais belo e humano.

Um exemplo de superação e empoderamento é de Gabrielle Coco Chanel. De órfã, cantora de cabaré e costureira, a uma das mulheres mais respeitadas do mundo, ela nos dá uma visão bastante clara do que a inspirou tanto para influenciar a moda na história.

O brilho nos olhos, a simplicidade, a ousadia, um grande amor na vida, as oportunidades e a paixão por fazer aquilo que gostava foram ingredientes que fizeram Chanel descobrir e encontrar seu caminho. Encontrou dificuldades e muitos desafios, mas foram superados com persistência.

Na década de 1920 Chanel criou seu próprio império numa época em que as mulheres não tinham independência. Ela foi uma visionária desde a sua humilde infância. Seu estilo foi sua maior paixão, adorava ser copiada e sempre teve a mente aberta. Ela não era uma mulher que apenas estava à frente de seu tempo. Ela estava à frente de si mesma. Para ela, bastava a vontade e dar perspectiva ao que era possível, e a ambição de ter uma vida própria e independente. Sua criatividade, inovação e perfeccionismo misturaram o vocabulário de roupas masculinas e femininas, que deu origem à moda em que o sentimento de ostentação deu lugar ao luxo íntimo com bom gosto e senso de estilo. Uma frase famosa de Chanel fica como reflexão: "Não importa o lugar de onde você vem. O que importa é o que você é. E quem você é? Você sabe?"

As mulheres estão gabaritadas para lidar com a tensão do dia a dia do mundo corporativo, mas os preconceitos ainda existem. Às vezes é necessário invocar o estilo de Chanel e misturar culturas ao toque de um olhar feminino, inovando e criando tendências, fator essencial para um cenário competitivo e cheios de clichê.


Helena Cortinhas é Coach e Israel Gonçalves é Cientista Político 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O Código de postura é necessário?



Israel Gonçalves

Há, na teoria política uma obra importante chamada Leviatã, escrito por Thomas Hobbes, em 1651.

 A obra versa sobre a importância da intervenção do Estado (chamado de Leviatã) no dia a dia dos cidadãos. A intervenção é necessária, segundo Hobbes, para se manter a ordem dentro do Estado, pois os indivíduos tomados por egoísmo poderiam matar uns aos outros por ambição ou por outros motivos supérfluos. O Estado é o guardião do equilíbrio da sociedade e em contra partida os cidadãos deixam de fazer algumas de suas vontades para o Leviatã governar soberano.

A questão de intervenção do poder público na vida dos cidadãos comuns ganhou destaque, na atualidade, com o código de postura elaborado pela prefeitura municipal de Limeira. O código vem sofrendo várias críticas. Uma delas é que as ações que o código prevê já existem em lei, por isso, o código é desnecessário. Esse olhar sore o Código de Postura é conservador. Pois as leis devem passar pelo crivo da moral, da política, do contexto econômico da geração que vivencia as leis existentes, nesse sentido aperfeiçoa-las é um ato positivo do poder público. 

Já o conjunto de críticos que entoam a ideia de que a existência de um código muda pouco a realidade em si, se não tiver uma equipe de fiscalização atuante, podem estar certo. Aprovar o código na Câmara de Vereadores não fará com que o cidadão irresponsável mude de postura, nesses casos é preciso ter fiscal para emitir advertências ou multas. Indo para além das controvérsias do código de postura, deveríamos nos perguntar sobre a seguinte questão: porque precisamos da intervenção do município nas questões cotidianas?

Bem, é só andarmos pela cidade e para vermos lixo na rua, panfletos em carros, nas calçadas e sendo jogados dentro das casas das pessoas. Profissionais da área da construção, entre outros, usando a calçada para preparar material que será usado em construção e afins. Pessoas jogando comida na rua, entre outras ações que poderiam ser evitadas. Há uma certa desordem no processo da nossa socialização. O bom senso, há tempos deixou de existir e a ética individualista se tornou um estilo de vida em Limeira. O Leviatã moderno, pautado dentro da democracia, às vezes, é necessário para colocar no “plumo” o rumo de uma sociedade. Acredito que a discussão não é se o código é “bom ou ruim” ou que tem peculiaridades, mas para onde está caminhando à sociedade limeirense. O código de postura elaborado pelo governo municipal traz questões que são mais profundas do que seus artigos expressam. Por estes argumentos acredito que o código de postura é necessário para equilibrar e aprimorar nossas relações sociais.

Israel Gonçalves é cientista político e autor do livro: O Brasil na missão de paz no Haiti. (e-mail: educa_isra@yahoo.com.br)

Impeachment por quê?

Amigos, amigas, companheiras, companheiros, gente boa em geral. 

Penso que devamos parar de dizer que os que são contrários ao governo do PT são todos antipetistas odientos e preconceituosos que só se informam e se deixam levar pela Veja, Globo e outros restaurantes midiáticos especializados em servir alfafa e capim a quilo aos descerebrados deste Brasil. Essa é uma forma de desqualificar o interlocutor, que é exatamente o que mais nos incomoda e de que mais nos queixamos em relação aos nossos adversários. Acabamos, portanto, nos igualando a eles e, de certo modo, fazendo o jogo deles. 

Precisamos ter em mente que há adversários do governo capazes de raciocinar, de filtrar as informações, de discernir e de erigir uma opinião própria, sensata, inteligente. 

Eles são minoria, quase uma raridade, mas existem e, por consequência, são dignos de nosso respeito. 

Pois bem. Vejo sensatez quando eles afirmam, por exemplo, que o Brasil precisa de leis mais severas para punir os que lidam mal com o dinheiro público.

Não sei se maior ou menor severidade resolveria o problema, já que todo criminoso, do ladrão de galinha ao diretor da Petrobras, do que ofende a honra alheia pelo Facebook ao que estupra, todos só cometem seus crimes por estarem convencidos de que jamais serão punidos - e, portanto, pouco se importam sobre a pena ou o tempo de prisão previstos em lei.

O que interessa é que quem assim pensa revela aí sua preocupação com o efetivo combate à corrupção.

Pois eu aconselharia a quem assim pensa a se informar sobre quem mais combateu a corrupção ao longo de toda a História do Brasil. Que refletisse sobre o que foram os governos FHC e anteriores e o que houve a partir de Lula.

Lula equipou a Polícia Federal, treinou, melhorou salários, ampliou seus quadros. Até 2003, a Polícia Federal praticamente estava reduzida a expedir passaportes, fiscalizar aeroportos e, de vez em quando, combater o tráfico internacional. Com Lula, passou a fazer as tais "operações", todas batizadas com nomes sugestivos. E toda semana passamos a ver prisões de políticos, juízes, servidores públicos, empresários, por corrupção, por fraudes contra o INSS e sonegação. Foi só a partir de então que gente poderosa, em massa, passou a sentir o chão frio e fétido de uma prisão. 

No campo das leis, em que se sugerem modificações, os governos petistas nos legaram a lei de acesso à informação, a lei da transparência e a lei que pune os corruptores (esta, por sinal, de grande utilidade na Operação Lava Jato, que acabou virando uma espécie de "Operação Guantánamo").

Se aquele que assim pensa está sendo sincero nesse quesito, combate à corrupção, e não é de bom tom duvidar da sinceridade de quem quer que seja, e por ser inteligente como de fato pode ser, tem tudo para apoiar o governo Dilma, ao invés de querer derrubar a presidenta.

Outro ponto revelador de sensatez está naquele que admite que os governos petistas realizaram coisas boas, a par de coisas que ele considera ruins. Penso exatamente igual. Que bom seria se todos os governos só fizessem coisas boas, não é mesmo? 

Mas governos são constituídos por gente, por seres humanos, homens e mulheres suscetíveis a erros e acertos, falíveis, dotados de virtudes e defeitos. A vida real é assim. 

Além disso, é preciso ponderar sobre o outro lado, o lado do cidadão, o lado de todos os que não estão no governo. Uma mesma "coisa" feita por um governo é boa para uns, mas pode ser ruim para outros. Mesmo entre pessoas situadas num mesmo espectro ideológico, num mesmo grupo de interesses em comum, divergências são inevitáveis. 

O que quero dizer com isso é que medidas impopulares, decisões que desagradam, mesmo as mais abrangentes, mesmo as mais equivocadas, não justificam um impeachment. 

Um pedido dessa envergadura, com a repercussão que tem no ambiente da Democracia, com o elevado grau de interferência na esfera do sagrado e soberano voto popular, não pode estar à mercê do "gostei" ou "não gostei", da coisa boa ou não, mas exige enquadramento em hipóteses perfeita e previamente desenhadas na Constituição Federal. Ou seja, exige a prática de um crime, e não de um crime qualquer, mas de um "crime de responsabilidade".

E que esse crime seja praticado pela pessoa investida da presidência da República. Um impeachment não pune um partido, mas apenas a pessoa do presidente ou da presidenta. Todos os 1,6 milhão de filiados ao PT podemos cometer, todos juntos, um determinado crime, mas se nenhuma prática criminosa for imputada à presidenta Dilma, ela não pode ser alvo de um impeachment.

Então, persiste a pergunta: impeachment da Dilma por quê? 

Luís Antônio Albiero
Advogado na cidade de Americana/SP
laalbiero@yahoo.com.br