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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O que chamam de poder quando se chega a um governo nada mais é do que a manutenção do sistema

Já dizia o velho Marx que num País capitalista o que determina é o econômico. Alguém duvida disso? É só acompanhar atentamente as entrelinhas do poder, que perceberá que o que se movimenta é apenas o grau de inclinação da pirâmide, mais fechada ou mais aberta, porém ela sempre estará lá. A pirâmide é a figura que revela a existência do sistema capitalista.

Ontem quando voltava de viagem de mais um curso de Gestão Pública da Fundação Perseu Abramo no Estado do Pará, vim conversando com um pequeno empresário do ramo de modas, todo feliz, pois acabara de chegar de Milão, onde tinha ido à passeio, além de participar de uma feira do seu segmento.

Foi uma conversa amistosa, pois estava mais para observar do que fazer defesas enfáticas do que acredito, pois nesses casos é como bater em ferro frio.

Ao me perguntar no que trabalhava e eu expor que trabalhava ministrando cursos nas prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores, a primeira coisa que me falou é que não gostava de política e que ia votar em branco por não acreditar em ninguém que era candidato, pois todos eram ladrões. Até ai, fiquei pensando, dos males o menor, só faltava ele dizer que ia votar na Marina por defender a autonomia do Banco Central ou ainda em Aécio porque trazia a mordomia da privataria para alguns privilegiados, como era no passado.

Na viagem que fizemos de São Paulo a Campinas, ele começou a se posicionar contra o Programa Bolsa Família, que na sua visão sustenta vagabundos, principalmente pelo fato de brasileiros de baixa renda não gostar de trabalhar, pelo fato de dar o peixe e não ensinar a pescar e ainda que o Bolsa Família sustenta esse povo com o dinheiro público. Para esse argumento ele exemplificou alguns países da Europa, que não dá o peixe e sim ensina a pescar.

Ele defendeu tudo isso, mesmo eu dizendo que não se trata de doação e sim transferência de renda, que o principal objetivo do Programa é que a pessoa venha a devolver o cartão em função da melhoria de vida, pois todos os programas sociais tem início por esse público e que 100% da responsabilidade do gerenciamento do Programa é de responsabilidade dos prefeitos e prefeitas e mesmo que muitos desses usem o Programa como moeda de troca, não dá para generalizar, além de visar à inclusão dessas pessoas novamente na sociedade.

Outra discussão apaixonada que defendeu foi sobre as questões trabalhistas, onde ele expôs ser contra o FGTS, Seguro Desemprego, Salário Família e principalmente INSS. Ele defende que tudo isso poderia ser entregue nas mãos dos trabalhadores e cada um fazer o que bem entender com isso. Dizia ele: Quer se aposentar no futuro? Pague a conta. A única coisa que ele concordou foi de ter um salário mensal e férias. Os demais benefícios e direitos, em sua visão, são invenções do mundo do trabalho que vieram para prejudicar a vida do empresariado.

Outra questão por ele levantada é sobre a carga tributária, onde em sua opinião um Imposto Único seria a solução (o que concordei com ele), assim como que não deveria ter funcionários públicos. Ele defende a ideia de que as prefeituras e os estados deveriam gerar seus próprios recursos e contratar empresas para os serviços. Ou seja, um Brasil privatizado. Esse na verdade é o sonho de pequenos, médios e grandes empresários. Acabar com todos os direitos trabalhistas e de quebra exterminar através da fome, os pobres que atravessarem seus caminhos. Ele até chegou a brincar dizendo que algumas doenças são fabricadas em laboratório, mas que não deixava de ser necessário, pois num futuro próximo não teria mundo para todos. Disse-lhe apenas que para esse tipo de caso, Fidel resolveria com el paredon.

Minha contra argumentação foi a de que é certo que a corrupção é de fato um dos principais males da atualidade, porém, para que a coisa possa ter o mínimo de senso de justiça, tanto corrupto como corruptor tem que sofrer as devidas punições e isso só não ocorre devido aos desvios do próprio sistema. Expus a ele que a sonegação representa na atualidade três vezes mais do que a corrupção, além de informar sobre a Lei Anticorrupção, porém ele me disse que isso só ocorria porque os empresários são obrigados a fazer, tanto devido à pressão que sofrem pelas questões trabalhistas, como também pela enorme carga tributária presente em todos os produtos e atividades.

Vale ressaltar que tais argumentos vieram de um pequeno empresário, que age com os mesmos equívocos da classe média querendo imitar os da classe acima. Fico imaginando o que pensa o grande empresário, aquele mesmo que na ditadura financiava a matança e a tortura de quem enfrentasse o sistema e a ditadura.

É por tudo isso que relatei e por outros fatores presentes na relação entre governantes e governados, ou ainda entre o capital e trabalho, que tenho afirmado nos meus encontros com os gestores das prefeituras, que num País de economia capitalista, não há como ter um Estado fraco, pois caso contrário é o mercado que vai determinar as regras. Quanto mais desemprego mais autonomia do mercado, quanto mais sonegação mais lucro e quanto menos Estado mais ingerência do mercado nas questões do Estado. Isso não quer dizer que a carga tributária seja injusta, porém se isso fosse revertido para a população em termos de qualidade de vida, não haveria um problema maior.

Um exemplo bem interessante vem do tal do terceiro setor, que se instalou no Brasil em decorrência do encurtamento do Estado, em virtude da onda de privatização, ocorrida no governo Collor e FHC. Ou seja, para agir em substituição do Estado em suas funções sociais. Além disso, tinha outro propósito, substituir o militante pelo voluntário, que apenas segue as normas das ONGs sem nenhum questionamento. Alguns desses fazem todo tipo de maldade durante a semana e nos finais fazem benevolência, como uma catarse em suas vidas.

Um dos grandes problemas que vivemos no setor público é que inúmeros governantes se apoderam dos recursos, ou em benefício pessoal ou ainda para seu “caixa dois”, visando sua reeleição ou sua sucessão, através de indicado seu.

Numa de suas palestras, Mário Sergio Cortela afirma: “Todo poder que ao invés de servir se serve é um poder que não serve”.

Há um enorme equívoco em achar que chegar a um governo se chega ao poder e mais ainda que quando se chega aos governos, se repete, em nome da desculpa de que a população não quer participar do processo, todos os vícios que a velha política paternalista sempre fez.

Na minha visão não há desculpas, assim como não há perdão para esses desvios. Quem usa a máquina pública para seu bel prazer, teria que ser exemplarmente punido, seja de que partido for. Porém o que se ver é a impunidade ou a parcialidade da justiça, o que faz com que a impunidade reine tranquilamente do País.


A única coisa que o pessoal que pensa assim não consegue entender é que o poder é emprestado pelo povo.


Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br

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