Já
dizia o velho Marx que num País capitalista o que determina é o econômico.
Alguém duvida disso? É só acompanhar atentamente as entrelinhas do poder, que perceberá
que o que se movimenta é apenas o grau de inclinação da pirâmide, mais fechada
ou mais aberta, porém ela sempre estará lá. A pirâmide é a figura que revela a
existência do sistema capitalista.
Ontem
quando voltava de viagem de mais um curso de Gestão Pública da Fundação Perseu
Abramo no Estado do Pará, vim conversando com um pequeno empresário do ramo de
modas, todo feliz, pois acabara de chegar de Milão, onde tinha ido à passeio,
além de participar de uma feira do seu segmento.
Foi
uma conversa amistosa, pois estava mais para observar do que fazer defesas
enfáticas do que acredito, pois nesses casos é como bater em ferro frio.
Ao
me perguntar no que trabalhava e eu expor que trabalhava ministrando cursos nas
prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores, a primeira coisa que
me falou é que não gostava de política e que ia votar em branco por não
acreditar em ninguém que era candidato, pois todos eram ladrões. Até ai, fiquei
pensando, dos males o menor, só faltava ele dizer que ia votar na Marina por
defender a autonomia do Banco Central ou ainda em Aécio porque trazia a
mordomia da privataria para alguns privilegiados, como era no passado.
Na
viagem que fizemos de São Paulo a Campinas, ele começou a se posicionar contra
o Programa Bolsa Família, que na sua visão sustenta vagabundos, principalmente
pelo fato de brasileiros de baixa renda não gostar de trabalhar, pelo fato de
dar o peixe e não ensinar a pescar e ainda que o Bolsa Família sustenta esse
povo com o dinheiro público. Para esse argumento ele exemplificou alguns países
da Europa, que não dá o peixe e sim ensina a pescar.
Ele
defendeu tudo isso, mesmo eu dizendo que não se trata de doação e sim
transferência de renda, que o principal objetivo do Programa é que a pessoa
venha a devolver o cartão em função da melhoria de vida, pois todos os
programas sociais tem início por esse público e que 100% da responsabilidade do
gerenciamento do Programa é de responsabilidade dos prefeitos e prefeitas e
mesmo que muitos desses usem o Programa como moeda de troca, não dá para
generalizar, além de visar à inclusão dessas pessoas novamente na sociedade.
Outra
discussão apaixonada que defendeu foi sobre as questões trabalhistas, onde ele
expôs ser contra o FGTS, Seguro Desemprego, Salário Família e principalmente
INSS. Ele defende que tudo isso poderia ser entregue nas mãos dos trabalhadores
e cada um fazer o que bem entender com isso. Dizia ele: Quer se aposentar no
futuro? Pague a conta. A única coisa que ele concordou foi de ter um salário mensal
e férias. Os demais benefícios e direitos, em sua visão, são invenções do mundo
do trabalho que vieram para prejudicar a vida do empresariado.
Outra
questão por ele levantada é sobre a carga tributária, onde em sua opinião um Imposto
Único seria a solução (o que concordei com ele), assim como que não deveria ter
funcionários públicos. Ele defende a ideia de que as prefeituras e os estados
deveriam gerar seus próprios recursos e contratar empresas para os serviços. Ou
seja, um Brasil privatizado. Esse na verdade é o sonho de pequenos, médios e
grandes empresários. Acabar com todos os direitos trabalhistas e de quebra
exterminar através da fome, os pobres que atravessarem seus caminhos. Ele até
chegou a brincar dizendo que algumas doenças são fabricadas em laboratório, mas
que não deixava de ser necessário, pois num futuro próximo não teria mundo para
todos. Disse-lhe apenas que para esse tipo de caso, Fidel resolveria com el
paredon.
Minha
contra argumentação foi a de que é certo que a corrupção é de fato um dos
principais males da atualidade, porém, para que a coisa possa ter o mínimo de
senso de justiça, tanto corrupto como corruptor tem que sofrer as devidas
punições e isso só não ocorre devido aos desvios do próprio sistema. Expus a
ele que a sonegação representa na atualidade três vezes mais do que a
corrupção, além de informar sobre a Lei Anticorrupção, porém ele me disse que
isso só ocorria porque os empresários são obrigados a fazer, tanto devido à
pressão que sofrem pelas questões trabalhistas, como também pela enorme carga
tributária presente em todos os produtos e atividades.
Vale
ressaltar que tais argumentos vieram de um pequeno empresário, que age com os
mesmos equívocos da classe média querendo imitar os da classe acima. Fico
imaginando o que pensa o grande empresário, aquele mesmo que na ditadura
financiava a matança e a tortura de quem enfrentasse o sistema e a ditadura.
É
por tudo isso que relatei e por outros fatores presentes na relação entre
governantes e governados, ou ainda entre o capital e trabalho, que tenho afirmado
nos meus encontros com os gestores das prefeituras, que num País de economia
capitalista, não há como ter um Estado fraco, pois caso contrário é o mercado
que vai determinar as regras. Quanto mais desemprego mais autonomia do mercado,
quanto mais sonegação mais lucro e quanto menos Estado mais ingerência do mercado
nas questões do Estado. Isso não quer dizer que a carga tributária seja
injusta, porém se isso fosse revertido para a população em termos de qualidade
de vida, não haveria um problema maior.
Um
exemplo bem interessante vem do tal do terceiro setor, que se instalou no
Brasil em decorrência do encurtamento do Estado, em virtude da onda de
privatização, ocorrida no governo Collor e FHC. Ou seja, para agir em
substituição do Estado em suas funções sociais. Além disso, tinha outro
propósito, substituir o militante pelo voluntário, que apenas segue as normas
das ONGs sem nenhum questionamento. Alguns desses fazem todo tipo de maldade
durante a semana e nos finais fazem benevolência, como uma catarse em suas
vidas.
Um
dos grandes problemas que vivemos no setor público é que inúmeros governantes
se apoderam dos recursos, ou em benefício pessoal ou ainda para seu “caixa
dois”, visando sua reeleição ou sua sucessão, através de indicado seu.
Numa
de suas palestras, Mário Sergio Cortela afirma: “Todo poder que ao invés de
servir se serve é um poder que não serve”.
Há
um enorme equívoco em achar que chegar a um governo se chega ao poder e mais
ainda que quando se chega aos governos, se repete, em nome da desculpa de que a
população não quer participar do processo, todos os vícios que a velha política
paternalista sempre fez.
Na
minha visão não há desculpas, assim como não há perdão para esses desvios. Quem
usa a máquina pública para seu bel prazer, teria que ser exemplarmente punido, seja
de que partido for. Porém o que se ver é a impunidade ou a parcialidade da
justiça, o que faz com que a impunidade reine tranquilamente do País.
A
única coisa que o pessoal que pensa assim não consegue entender é que o poder é
emprestado pelo povo.
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br
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