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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Cavernas urbanas onde a vida vale muito pouco


Outro dia no caminho para São Paulo, ouvi uma notícia pelo rádio, que me deixou de baixo astral. Uma reportagem sobre o que chamaram de cavernas urbanas, habitadas por moradores de rua que vão furando buracos sob pontes e viadutos e fazem desses espaços seus lugares para morar sem a mínima condição humana de sobrevivência.

O que mais me chamou a atenção foi o objeto principal da reportagem, pois o que estava em discussão não era a degradação da sociedade, que aquelas pessoas representavam tão bem e sim fato de caracterizarem e reforçarem a ideia de que as pessoas só criam essas alcovas para o consumo de entorpecentes e que a polícia, uma vez avisada, tinha que intensificar as buscas e expulsarem essas pessoas vistas como um incômodo para a sociedade.

Algo do tipo, podem ficar tranquilos que a polícia vai agir e expurgarem dali aqueles indivíduos, exatamente como fizera com a cracolândia espalhando viciados para todos os lados sem resolver o problema. A questão central para a elite brasileira e seus agentes não são as pessoas sem teto e o porquê delas estarem ali e sim que a sociedade que alegam lhes pertencer pode ficar mais bonita sem elas.

Está na hora agir contra esse estado de abandono. Sabemos que só existem desigualdades porque a renda está concentrada nas mãos de poucas pessoas e que a violência virou uma indústria que alimenta o sistema. Um prefeito ou uma prefeita que usa a máquina pública para se beneficiar ou ainda para fazer caixa dois para sua campanha, na prática está, não só sendo conivente com essa situação, mas principalmente alimentando a indústria do crime, da corrupção e reforçando o processo de desigualdades.

Uma pesquisa realizada em 2011, ainda na gestão do Prefeito Kassab, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, através de contrato estabelecido com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS da Prefeitura Municipal de São Paulo – PMSP, revela que existia em 2011 na capital paulista em situação de rua um total de 14.478 pessoas, sendo 6.765 pessoas vivendo exclusivamente na rua e 7.713 em centros de acolhida na capital. Mais da metade dessas pessoas habitam o centro da cidade e outra grande parte na zona leste da capital.

Outro dado chama mais a atenção. Ao comparar essa pesquisa de 2011 com a de 2009, nota-se que essa população cresceu na ordem de 4,5% ao ano, enquanto os serviços municipais de acolhida atenderam apenas 78% desse crescimento. Essa diferença vai ao longo do tempo criando uma nova massa de desabrigados, expostas a todos os tipos de problemas, entre eles as drogas.

Essa situação vem mudando lentamente na nova gestão do Prefeito Haddad, a se notar pelo trabalho que foi realizado na cracolândia, onde as pessoas foram convidadas, não só para se mudaram para um hotel pago pela prefeitura e em troca também foram convidados a prestarem serviços para a população. Porém, se não for uma ação contínua e com ampla integração das diversas políticas públicas, as pessoas voltarão ao seu habitat natural quando em abandono. 

A extrema maioria dessas pessoas é do sexo masculino. São em grande parte pessoas que perderam o interesse de viver em sociedade, que por algum motivo também perderam o interesse pela própria vida.

A pesquisa revelou ainda que a maioria dessas pessoas é composta por adultos, porém com um grande número de idosos e crianças. Como era de se esperar a maior parte desses moradores em situação de rua ou em albergues são negras ou pardas, o que na prática revela a opressão da Casa Grande em relação à Senzala. Nota-se ainda famílias completas vivendo à luz do dia e sem um teto para abriga-los.

Por certo, os 85 bilhões de reais desviados estimados da corrupção visível, ou ainda os mais de 500 bilhões da sonegação fiscal, caso fossem canalizados para as causas sociais e humanísticas, não só resolveriam o problema da população de rua, como principalmente resolveria de vez a questão das profundas desigualdades que o país, apesar de muitos avanços, ainda vive.

Ao invés de choque de gestão, onde normalmente o governo entra em curto, a sociedade precisa se reinventar. Precisa por certo de uma alta dose de humanização. Porém o que vemos no dia a dia é a sociedade simplesmente expurgando quem não lhe interessa, como se ninguém tivesse a ver com a situação e enclausurando seja em presídios, fundações ou pontes, como se bastasse esconder os fatos por traz da aparência, que tudo seria resolvido.

Só a criação de um amplo projeto de humanização em todas as áreas e de combate a todas as formas de desigualdades e corrupção pode salvar a sociedade.


Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br

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