Imagem: cbn.globoradio.globo.com
Outro
dia no caminho para São Paulo, ouvi uma notícia pelo rádio, que me deixou de baixo astral. Uma reportagem sobre o que
chamaram de cavernas urbanas, habitadas por moradores de rua que vão furando
buracos sob pontes e viadutos e fazem desses espaços seus lugares para morar
sem a mínima condição humana de sobrevivência.
O que
mais me chamou a atenção foi o objeto principal da reportagem, pois o que
estava em discussão não era a degradação da sociedade, que aquelas pessoas
representavam tão bem e sim fato de caracterizarem e reforçarem a ideia de que
as pessoas só criam essas alcovas para o consumo de entorpecentes e que a
polícia, uma vez avisada, tinha que intensificar as buscas e expulsarem essas pessoas vistas como um incômodo para a sociedade.
Algo do
tipo, podem ficar tranquilos que a polícia vai agir e expurgarem dali aqueles
indivíduos, exatamente como fizera com a cracolândia espalhando viciados para
todos os lados sem resolver o problema. A questão central para a elite
brasileira e seus agentes não são as pessoas sem teto e o porquê delas estarem ali e sim
que a sociedade que alegam lhes pertencer pode ficar mais bonita sem elas.
Está
na hora agir contra esse estado de abandono. Sabemos que só existem
desigualdades porque a renda está concentrada nas mãos de poucas pessoas e que
a violência virou uma indústria que alimenta o sistema. Um prefeito ou uma
prefeita que usa a máquina pública para se beneficiar ou ainda para fazer caixa
dois para sua campanha, na prática está, não só sendo conivente com essa
situação, mas principalmente alimentando a indústria do crime, da corrupção e reforçando
o processo de desigualdades.
Uma
pesquisa realizada em 2011, ainda na gestão do Prefeito Kassab, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo – FESPSP, através de contrato estabelecido com a Secretaria Municipal
de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS da Prefeitura Municipal de São
Paulo – PMSP, revela que existia em 2011 na capital paulista em situação de rua
um total de 14.478 pessoas, sendo 6.765 pessoas vivendo exclusivamente na rua e
7.713 em centros de acolhida na capital. Mais da metade dessas pessoas habitam o
centro da cidade e outra grande parte na zona leste da capital.
Outro dado chama mais a atenção. Ao comparar essa
pesquisa de 2011 com a de 2009, nota-se que essa população cresceu na ordem de
4,5% ao ano, enquanto os serviços municipais de acolhida atenderam apenas 78%
desse crescimento. Essa diferença vai ao longo do tempo criando uma nova massa
de desabrigados, expostas a todos os tipos de problemas, entre eles as drogas.
Essa situação vem mudando lentamente na nova gestão
do Prefeito Haddad, a se notar pelo trabalho que foi realizado na cracolândia,
onde as pessoas foram convidadas, não só para se mudaram para um hotel pago
pela prefeitura e em troca também foram convidados a prestarem serviços para a
população. Porém, se não for uma ação contínua e com ampla integração das
diversas políticas públicas, as pessoas voltarão ao seu habitat natural quando
em abandono.
A extrema maioria dessas pessoas é do sexo
masculino. São em grande parte pessoas que perderam o interesse de viver em
sociedade, que por algum motivo também perderam o interesse pela própria vida.
A pesquisa revelou ainda que a maioria dessas
pessoas é composta por adultos, porém com um grande número de idosos e crianças.
Como era de se esperar a maior parte desses moradores em situação de rua ou em
albergues são negras ou pardas, o que na
prática revela a opressão da Casa Grande em relação à Senzala. Nota-se ainda
famílias completas vivendo à luz do dia e sem um teto para abriga-los.
Por
certo, os 85 bilhões de reais desviados estimados da corrupção visível, ou
ainda os mais de 500 bilhões da sonegação fiscal, caso fossem canalizados para
as causas sociais e humanísticas, não só resolveriam o problema da população de
rua, como principalmente resolveria de vez a questão das profundas desigualdades
que o país, apesar de muitos avanços, ainda vive.
Ao
invés de choque de gestão, onde normalmente o governo entra em curto, a sociedade
precisa se reinventar. Precisa por certo de uma alta dose de humanização. Porém
o que vemos no dia a dia é a sociedade simplesmente expurgando quem não lhe interessa,
como se ninguém tivesse a ver com a situação e enclausurando seja em presídios,
fundações ou pontes, como se bastasse esconder os fatos por traz da aparência,
que tudo seria resolvido.
Só a
criação de um amplo projeto de humanização em todas as áreas e de combate a todas as formas de
desigualdades e corrupção pode salvar a sociedade.
Os
dados da pesquisa estão disponíveis no endereço: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Antonio
Lopes Cordeiro (Toni)
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada em Gestão Pública
Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro@ig.com.br
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