Ricardo Costa Gonçalves*
Há cinquenta anos, em 08 de outubro de 1967,
o exército boliviano, com ajuda do governo norte-americano e da CIA, capturou
Ernesto Guevara de La Serna, o Che, nas selvas deste país, no dia seguinte, às
13h 10, um ranger boliviano, sob as ordens dos Estados Unidos, o executou a
sangue frio. Além de sua firmeza de princípios e exemplo de combatente, Che
Guevara deixou um acervo de contribuições para o debate político, ideológico e
teórico que vão além do foco guerrilheiro. O objetivo desse texto é apresentar,
nesse aludido 50 anos da morte de Che, alguns desses aportes de Ernesto Guevara
de La Serna.
Naquele momento, morria um dos maiores inimigos dos
“velhos e novos colonialismos”, junto com Fidel e Raúl Castro, Camilo
Cienfuegos, Célia Sanchez e outros guerrilheiros cubanos comandou a revolução
Cubana. Quando seu algoz entrou na sala onde ele foi aprisionado, Che se
levantou, olhou nos olhos do seu assassino e disse: “atire, covarde, que você
vai matar um homem”. Essa atitude digna diante da morte não foi diferente de
como ele viveu sua vida.
Che enxergou de perto o regime de exploração imposto aos
latino-americanos por companhias estrangeiras apoiadas na cumplicidade de governos
locais. Nas rotas traçadas por Che pelo continente latino-americano, é
importante destacar a sua passagem pelo Peru. É neste país andino que Che teve
contato com a obra de José Carlos Mariategui que exerceria influencia
considerável na sua compreensão acerca da trajetória e da realidade da América
Latina.
A partir do diálogo com o marxista peruando Ernesto Guevara passou a
entender a presença do latifúndio como marca característica das sociedades
latino-americanas, resultado da herança colonial. Compreendia a grande
propriedade rural como “la base del poder económico que sucedió a la gran
revolución libertadora del anticolonialismo del sigo passo” (CHE GUEVARA, 1961,
p. 407). Também esteve na Guatemala em 1954, quando uma operação organizada
pelos EUA derrubou o governo popular e democrático de Jacobo Arbenz. Depois foi
para o México, onde teve contatos com os revolucionários cubanos.
Em Cuba ele foi o primeiro revolucionário a ser promovido a comandante. Foi
o líder da tomada de Santa Clara, depois de uma dura batalha de três dias
contra o exército regular da ditadura de Batista, vitória que levou à queda do
regime. O seu livro a Guerra de Guerrilhas é uma doutrina militar e revolucionária
forjada no calor dos combates, como tudo o que ele escreveu.
Ernesto Guevara sempre procurou unir teoria e prática. Foi assim como
médico, chefe militar, dirigente partidário, representante de Cuba em dezenas
de missões diplomáticas, presidente do Banco Nacional, do Instituto de Reforma
Agrária e ministro da Indústria. Segundo ele, a teoria só cresceria em
constante confronto dialético com a realidade do mundo. Diversas vezes ele se posicionou
contra o dogmatismo e o sectarismo, polemizando inclusive dentro do partido
Comunista cubano. Como Lênin, Che entendia a teoria como um guia para a ação,
não como um manual de instruções.
Che desde jovem se dedicou a leitura. Leu desde os filósofos gregos a
Confúcio, de Tomás de Aquino à filosofia política inglesa e francesa, de Jules
Verne e H. G. Wells a Pablo Neruda. Ele leu com atenção “A Crítica da Razão
Pura”, de Kant, e “O Crepúsculo dos Ídolos”, de Nietzche, leu ainda as obras de
Freud, Bertrand Russel, dentre outros. E, também, leu com bastante interesse a
tradição marxista e revolucionária. Ele insistia no estudo, sempre integrado à
vida, como uma das tarefas dos revolucionários. Mesmo na selva boliviana,
quando o isolamento da guerrilha o colocou em situações muito difíceis, Gueavara
levava consigo uma pesada mochila cheia de livros.
Posteriormente a tomada do poder, quando entendeu que a revolução estava
se consolidando, ele renunciou a todos os postos no estado cubano e foi para o
Congo colaborar na luta de libertação. Pois, Che achava ser necessário difundir
a resistência anti-imperialista por todos os continentes subjugados a regimes
coloniais ou neocoloniais, abrindo diversas frentes de luta. Segundo ele,
solidariedade não é algo que se preste com declarações de apoio, mas com atos:
seu internacionalismo era consequente. Com o mesmo espírito e coerência
inabalável, ele foi para a Bolívia organizar o que, segundo o plano traçado,
deveria ter sido o núcleo de um exército de libertação que se irradiaria por
toda a América do Sul.
Todo seu caminho foi alicerçado por uma profunda ética revolucionária e
humanista. Diferente do que costuma acontecer, Che praticou com austeridade o
que pregava. Todos os ensinamentos que deu aos jovens comunistas, em célebre
discurso, ele próprio seguiu: manter um elevado senso de honra e dignidade,
assumir as responsabilidades ante os demais, revoltar-se contra qualquer
injustiça, consolidar um espírito cotidiano de sacrifício e fazer a guerra
aberta contra os formalismos que engessam os processos de transformação. Ele
dizia que o revolucionário deve ser um exemplo vivo. Por isso, a teoria de um
comunista é, de acordo com o Che, indissociável de uma prática de vida
coerente.
Por tudo isso, o Ernesto Guevara de La Serna,
- homem digno, ético, latino-americanista, anti-imperialista, profundamente
movido por um senso de justiça que levou consigo até as últimas consequências -
não morreu em La Higuera. Seus inimigos de classe, que ainda o temem, tentaram
domesticar sua memória, torná-lo um produto publicitário vazio de sentido,
agredi-lo com infâmias. Mesmo assim, Che vive e continua nos ensinando. Ele
transformou-se em símbolo de rebeldia, exemplo de valores e princípios
verdadeiramente revolucionário.
Aos cinquenta anos de sua imortalidade, a melhor homenagem que podemos
lhe prestar é seguir o seu exemplo quando vivo. Na verdade, essa é a única homenagem
que ele consideraria sincera e coerente.
* Professor e Mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas pela
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
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