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domingo, 11 de fevereiro de 2018

E por falar em saudade...

Conta uma lenda que um menino perguntou a um sábio: o que é saudade? Ele sentou e olhando para o menino calmamente explicou: “Meu filho saudade é a expressão do nosso ser, que se materializa em nossa mente, em resposta ao que vivemos e gostaríamos de reviver”. Uma resposta de pura reflexão.

Hoje, me lembrando disso me atrevi a falar de saudade, considerada a sétima palavra mais difícil de traduzir. Um sentimento tão complexo, que pode ser ao mesmo tempo choros, risos, angústias, mas também possibilidades de caminhos refeitos. É certo que em alguns casos, a saudade devia ficar era quietinha lá no passado, como afirma Mário Quintana: “O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente...”, como quem diz: fica aí onde está e não amola!

Quem não tem uma saudade guardada levante à mão? Quem não tem uma saudade que mereça ser lembrada? Que saudade nos leva ao riso e ao choro?

Enfim, infinitas possibilidades e formas de expressar a saudade. Saudade do que houve e saudade incômoda do porque que não houve...

Vou procurar nesse post falar de saudade como nostalgia e não como melancolia, aproveitando o pensamento de Heitor Cony, que afirmava: “Nostalgia é saudade do que vivi e melancolia é saudade do que não vivi”.

Bob Marley disse certa vez que saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorre pelos olhos. No meu entendimento os olhos expressam o que o coração transborda. Os mesmo olhos que reagem com lágrimas a uma lembrança triste pela perda, podem brilhar quando a mente leva a uma saudade prazerosa. Uma dualidade que vai moldando nossa parte emocional, que vai enfrentando o debate entre a razão e a emoção.

Diria até que saudade é como erva daninha, que quando se da conta vai se alastrando pelo jardim afora. Para isso temos que nos precaver de forma permanente para que a saudade não nos faça apenas presos ao passado e esqueçamos que a vida tem que ser vivida a partir do presente, mas com foco no futuro. Ou seja, aproveitar o passado, viver o presente e focar no futuro.

Nas viagens de nossas inquietações, Drummont alertava para a saudade inexistente, aquela que nunca ocorreu na prática, pelo menos na dimensão do que se imaginava. Dizia ele: “Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante”. Algo que deve ser mais inquietante ainda. Fernando Pessoa também fez referência à mesma coisa: “Não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram”. É como se fosse uma espécie de fantasia, que ora gera um vazio e ora angustia. Nem quero pensar!

Do ponto de vista da nossa existência saudade vem para preencher um vazio, para nos lembrar de que um ciclo foi interrompido, que algo que era bom poderá não mais acontecer. O poeta Peninha dizia que saudade é melhor do que caminhar vazio, como se para ele a saudade, mesmo incômoda, fosse uma espécie de alimento que acaba preenchendo o vazio das nossas imaginações.

Já que a coisa parece inevitável, porque não leva-la às escolas como parte integrante de historia, pois saudade é vida que se viveu. É sentimento acumulado, mas, sobretudo é parte fundamental da história de cada ser humano. Uma possibilidade de trabalhar com as crianças reforçando seus valores humanísticos e de convivência que serão lembrados no futuro e também trabalhar com elas como lidar com a saudade de suas perdas.

Tenho gostosas lembranças da minha infância num sítio em Belo Jardim, Pernambuco: os banhos de rio que nem ele existe mais, dos momentos de sol e chuva, uma mistura perfeita que exalava o cheiro da terra molhada e após a chuva a relva que nascia preguiçosa nos roçados e se deparava com centenas de passarinhos a se deliciar e do carrossel no distrito de Serra do Vento. Nem imaginava que o carrossel seria uma figura fundamental na minha vida profissional, após a conversa com Paulo Freire em 1989. Era bom e eu nem sabia.

Clarice Lispector falando de si nos alerta para algo importante, o cuidado para que não nos percamos de nós mesmos e isso vir a provocar uma saudade do que éramos e de quem poderíamos ter sido, ou ainda um medo do que poderemos ser. Disse ela: “Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde estou eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim - enfim, mas que medo - de mim mesma”.

Seja como for, saudade é, foi e será uma parte fundamental das nossas vidas e existe para nos lembrar que estivemos e estamos com o coração batendo provando que viver vale a pena e prontos ou não para vivermos outros momentos que nos gerem muitas saudades futuras. Saudade é antes de tudo um hiato entre o que foi e o que é na atualidade.

Como bem disso Vinicius de Morais: “Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...”

Eu por exemplo nesse momento, estou com saudade de um doce de leite de cabra que a minha vó Isabel fazia em seu fogão de lenha, sempre para agradar os netos e vinha na rede me chamar para que eu pudesse comer ainda quente. Como foi tão bom vó!

Antonio Lopes Cordeiro
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com


22 comentários:

  1. Respostas
    1. Muito bacana seu texto Toni. Mexe com nosso imaginário e nos conduz a lembranças...dizem que o brasileiro tem memória curta...seu texto também é perfeito para aguçar a memória e provocar a reflexão sobre fatos históricos, sobre identidades, onde pode ser possível constatar os avanços das políticas em ordem cronológica e talvez nesta recordação e na saudade dos ""bons tempos"" acertar a rota e navegar. Como dizia o poeta romano General Pompeu e o poeta Fernando Pessoa... Navegar é preciso. Parabéns!!!

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  2. Amigo... Vc sempre nos deliciando com seus belos textos,
    muito bem escritos... Parabéns Toni...

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    1. Olá Iara.
      Agradeço o comentário. Procuro escrever o que o coração sente.

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  3. Excelente produção!
    Obrigado por compartilhar algo tão inspirador!
    E parabéns por essa bela obra, amigo Toni!

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    1. Obrigado amigo Gerlande.
      Vou sempre lembrar de todo carinho que recebi no Acre e você foi o grande responsável por isso.

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  4. Uma das palavras que se contém no vocabulário da língua portuguesa/brasileira.

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    1. Olá amigo Leo. Não sou um poeta como você, mas busco inspiração lendo também suas obras.

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  5. Caro amigo...escreva mais textos difíceis...obrigado.

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  6. Nunca imaginei que ler sobre a saudade despertaria uma saudade guardada em banho maria...

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    1. Olá Evandro.
      Um dos desafios quando escrevo é me ver como leitor.
      Que bom que te fiz viajar no tempo.
      Abraço

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  7. Lendi esse texto foi como um filme na minha mente enquanto lia nossa quanta saudade parabéns Toni cordeiro maravilhoso

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    1. Olá Sueli obrigado.
      Que bom que viajou com meu texto. Essa é resposta que busco

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  8. Eu também sinto saudade do leite de cabra. Era um forte alimento antes de ir pra aula de manhã cedo.
    Mas o tema realmente é legal.
    Temos saudade de uma infância em que se brincava.
    Saudades ....

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    1. Pois é Antonia.
      Olha que nem falei das brincadeiras de rua. Foquei mais no meu breve tempo de moradia num sítio da família. Como era bom.

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  9. A saudade arraigada retrai a capacidade de inspiração e antevisão de um futuro em prospecção.

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    1. Caro Mano Elder.
      O blog é minha melhor distração.

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  10. Meu amigo Toni, que texto esse, hein! Parabéns! Você se aprimora a cada dia na arte de escrever. Até despertou em mim saudades dos tempos em que eu escrevia regularmente. Saudades e o desejo de retomar a pena, para além do Facebook.

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  11. Cara Albiero
    Que honra te receberes por aqui nesse humilde blog.
    Grato pelo elogio e estou sentindo falta dos teus textos por aqui.
    És sempre bem vindo,
    Abraço

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