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terça-feira, 19 de junho de 2018

Que tal falarmos de amor-próprio?

O que e amor-próprio?

Você saberia explicar o que é amor próprio? Sente-se com amor-próprio suficiente para perdoar se necessário for? Como uma pessoa que não se ama ou se ama em excesso pode representar os sonhos de um povo e ainda mais caminhando junto com o povo?

Que tal iniciar essa conversa com uma frase de Oscar Wilde? “Amar a si mesmo é o começo de um romance para toda vida”. Isso a meu ver é amor-próprio. O objetivo dessa conversa é apenas tentar bulir com a consciência dos leitores e das leitoras do blog e ao mesmo tempo afirmar que sem amor-próprio, ou com o excesso dele, se torna impossível amar alguém. Tanto conheço pessoas sem amor-próprio algum, como conheço outras que se amam tanto que se bastam. Em ambos os casos não conseguem amar ninguém.

Podemos afirmar que amor-próprio, sem a preocupação de buscar um conceito mais elaborado, é um sentimento de dignidade, respeito e amor que o ser humano tem por si mesmo ao se valorizar, se respeitar e ser cuidadoso com seu dia a dia. É um tema tão amplo que envolve a psicologia e a psicanálise para um entendimento mais aprimorado. Por outro lado, os desencontros da vida em termos de realizações e aspirações, por certo são grandes conflitos na contramão da autoestima e também do amor-próprio.

O que me leva a escrever sobre um tema tão complexo é sem dúvidas tentar entender o porquê das pessoas terem uma enorme dificuldade de falarem de seus projetos de vida, de seus sonhos e principalmente de tentarem projetar seus futuros. Há evidência de que essas dificuldades só ocorrem porque inúmeras pessoas vão perdendo o amor próprio e com ele até o gosto de viver. Fato que desagua em vários problemas do nosso dia a dia.

O que considero mais complicado é que vivemos um período de embrutecimento na sociedade, fruto dos eternos desencontros sem causa, que se tornaram o epicentro das diversas crises de identidade da atualidade. Como resultado disso, um imediatismo surreal, pessoas frias e calculistas buscando várias formas de relacionamentos e depois os descartando e principalmente uma grande novidade pública que é o ódio de classe, que mata e deixa inúmeras sequelas. 

No texto anterior afirmo que gosto mais do termo comunidade, pois está mais próximo ao bem comum, em contraposição ao termo sociedade, que a meu ver é uma convenção voltada muito mais em servir ao deus mercado e onde se alojam todas as contradições humanas e todas as formas de desamor.

É hilário afirmar, mas as pessoas odeiam o que não veem porque seus vizinhos de fofocas também odeiam e amam o que a velha mídia determina, sem saber ao menos o que é o amor. Como algo assim pode dar certo? Não há espaço para amor-próprio quando a pessoa está perdida, em crise existencial ou de identidade. Amar-se requer antes de tudo saber aonde se quer chegar.

Dizem que essas mudanças de cursos comportamentais são sinais dos tempos. Eu sinceramente não acredito, creio mais ser resultado dos efeitos do sistema, da meritocracia, do individualismo e principalmente da alienação institucional, que desvia os seres das conquistas do pertencimento e os remete à veneração do que não lhes pertence. Ou seja amor e ódio caminham lado a lado.  

Esses efeitos geram um falso cenário que impede o entendimento e a visualização de que a maioria da população brasileira é fruto da expropriação de valores, da sonegação de direitos e principalmente da desumanização, onde os valores individuais se sobrepõem aos valores coletivos, onde o ter e o ser estão em eterno conflito. Como ter amor-próprio diante dessa realidade?

Para quem assistiu a trilogia Matrix sabe que a sociedade está voltada para a alimentação do sistema e que quando se fala em sistema existem apenas duas dimensões: uma moldada para servi-lo e a outra de quem luta contra o tal. No vácuo existente entre as duas, está situada a maioria das pessoas, perdida sem saber ao certo qual é seu papel humano e uma disputa invisível se trava no sentido de tentar absorver esse grande contingente de pessoas.

Creio que o processo de namoro político e a cooptação ideológica deveria se dá por aí, a partir do resgate humano das pessoas, ajudando-as a se encontrarem e melhorando a autoestima delas. Fazendo-as acreditarem que juntas poderão mudar o mundo se quiserem. Isso só é e será possível a partir do entendimento da missão como um grande mutirão e saindo do individual para o coletivo. Talvez aí esteja a grande diferença num processo eleitoral, de quem busca eleitores e eleitoras para a manutenção de seus cargos e quem organiza a base da sociedade a partir de valores coletivos ao invés de individuais, no sentido de mudá-la.

Diante do exposto, ficam ainda algumas perguntas a serem respondidas: É possível alguém sem amor-próprio ou com excesso dele sair do individual para o coletivo? O que tem a ver a vaidade com amor-próprio? Quais são os efeitos do amor-próprio ou do amor em si em excesso em relação ao verdadeiro amor? É possível trabalhar o amor-próprio a partir de uma ação coletiva?

Termino nossa conversa com duas frases sobre amor-próprio. A primeira do Jean-Jacques Rousseau, fazendo uma alerta: “O homem, guiado pelo amor-próprio, corrompe-se, passa a ter o desejo de ser superior aos outros, aliena-se”. A segunda do Marquês de Maricá, fazendo uma contraposição do amor-próprio, através da consciência: “Ninguém nos aconselha tão mal como o nosso amor-próprio, nem tão bem como a nossa consciência”.

No mais, observo com temor as tempestades, mas sei que sempre depois delas vem um arco-íris e com ele a vontade de seguir em frente... Assim foi na última sexta após a tempestade que se preparava em Macapá.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública Social

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