Às
vezes por necessidade de trabalho e outras por pura preocupação, paro só para
pensar em como traduzir o complexo momento que vivemos no país. Sinto na alma
que por mais que sorrisos vastos inundem o espectro do nosso dia a dia, há sem
dúvidas uma grande dose de tristeza perambulando no imaginário de milhares de
pessoas. Algo que além da tristeza traz junto uma profunda crise de identidade.
Algo tão profundo que o mais tolo dos tolos um dia acordará e quem sabe se dará
conta de que nem mesmo chão tem mais.
Como
explicar que de uma hora para outra todas as lutas dos últimos cem anos foram suprimidas
e comprometidas e como resultado apenas uma passividade absurda? Cadê o
respeito a quem deu a vida para que se tivesse liberdade e melhores condições
para o povo trabalhador? Como levar ânimo para quem perdeu o rumo das coisas e que
ontem mesmo cantava suas conquistas em versos, prosas e muito consumo?
Talvez
a resposta de algumas dessas perguntas esteja na leitura precisa que a professora
Marilena Chauí fazia sobre a conjuntura da época, ao se referir ao conjunto de
trabalhadoras e trabalhadores. Enquanto se vendia a ilusão que o país tinha
produzido uma nova classe média, ela afirmava que se tratava apenas de uma nova
classe trabalhadora, que tinha conquistado o que nunca teve acesso, mas estava longe
de se afirmar como pertencentes à classe média, a qual caracterizava como uma
verdadeira aberração.
Diria
que foi uma doce ilusão que caminhou lado a lado com o povo sofrido brasileiro por
algum tempo e por falta de lastro, consciência crítica e política e a
necessidade de sair do individual para o coletivo tudo veio abaixo. O golpe em
curso foi algo permitido e premeditado. Um golpe de classe que segue rigorosamente
a restauração das dez metas estabelecidas no Consenso de Washington. Uma fatídica reunião ocorrida nos EUA em 1989,
que tinha como pressuposto básico a implantação do neoliberalismo na América
Latina e no Caribe. Um projeto de sucesso com FHC e interrompido pelos governos
Lula e Dilma. Esse foi e é o verdadeiro enredo do momento que vivemos.
O
resultado disso nos leva a impressão de estamos dentro de um filme de terror, vivendo
cada cena apavorante. É como se um monstro desenvolvido em laboratório tivesse
sido criado em casa como um bicho de estimação. Ele cresceu e engoliu seus criadores.
O que o povo conquistou nos últimos cem anos, perdeu em várias canetadas e
votos pagos com o dinheiro do povo.
Ao
vasculharmos a história do Brasil, extremamente mal contada ao longo do tempo, percebemos
que têm em seu DNA, invasão, golpes e escrachos políticos de toda ordem, mas
também muita luta. Muita gente se organizou para lutar por direitos e mudanças
na política nacional ao longo de sua historia.
Apesar
disso, existem enormes contradições que transitam no tempo na política
tupiniquim, onde os herdeiros da casa grande e seus representantes sempre
esconderam que usaram e usam a boa fé do povo brasileiro para os enganarem e se
manterem no poder, enquanto uma grande parte dos de baixo sempre consentiram em
troca de algumas benesses. Uma contradição que manteve a democracia
representativa atrelada aos interesses escusos nacionais e internacionais e que
hoje se encontra praticamente falida.
Penso
que o que sobrar desse golpe sairá muito mais fortalecido, tanto para a direita
como para a esquerda. A direita que não tinha lastro agora tem e deem graças à mídia
partidária e de classe que fez a cabeça de grande parte da população, além do
que formaram alguns militantes, que é uma coisa nova no cenário político
brasileiro. A dança dos verdes-amarelos consistiu num ponto de partida de
pertencimento ideológico dessa linha de pensamento, que tem como grandes instrumentos
o deus mercado, a meritocracia e o acúmulo de capital. A direita vive no Brasil
sua lua de mel com o poder econômico.
Por
outro lado, a esquerda brasileira tem a grande oportunidade de se reinventar,
de criar a tão sonhada frente de esquerda, a partir de um projeto unificado de
sociedade, organizar a sociedade na luta de seus direitos, além de retomar
antigas bandeiras históricas perdidas no individualismo de cada segmento e de
cada linha de pensamento.
Para
hoje no processo de enfrentamento, a grande tarefa será a organização nacional
de comitês de resistência suprapartidários, ou ainda de Conselhos Populares, com
base na capacitação, principalmente para que se possibilite o nascimento de novas
lideranças, que é a grande escassez do momento.
Conquistas
se fazem conquistando. Lutas concretas necessitam de exercício diário e contínuo
e projeto de vida necessita de sonhos que o alimente.
Cada
vez que o trem da história faz uma curva caem por terra centenas de falsos
líderes e dão espaço para que, da base da sociedade, sujam novos atores que
lutam por uma causa.
Ter
uma causa é antes de tudo se comprometer com milhares de pessoas que perderam
suas identidades, resgatando seus sonhos perdidos e alimentando o direito de
participação como grande instrumento de vida.
Que
consigamos embarcar no trem da história e fazermos a travessia rumo a uma
sociedade justa, livre e igual para todos e todas.
Antonio Lopes Cordeiro
(Toni)
Estatístico e Pesquisador em
Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com
Parabéns.Muito lúcido.
ResponderExcluirQue identidade? Se como povo nem conhecemos nossa história, nem nos importamos em saber a verdade e reafirmamos como verossímil as informações televisivas, ora recebidas e acaloradamente defendidas - no mais profundo e obscuro ignorantismo intelectual.
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