Mensagem

Faça seu comentário no link abaixo da matéria publicada.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Governar e legislar são meios ou fins em si mesmo?

Mudando de conversa e voltando ao campo das discussões políticas, uma pergunta feita durante os debates do Curso Plano de Governo e Ações para Governar da Fundação Perseu Abramo na cidade de Matão/SP, em 2015, ficou na memória e levantou uma série de questões que continuam na ordem do dia.

Governar e legislar num país capitalista como o Brasil, do ponto de vista ideológico de esquerda, são meios para as mudanças efetivas e necessárias na sociedade, ou fins em si mesmo? Governar e legislar são meios ou fins?

Uma discussão acalorada que encontrou ressonância com outra questão levantada: o PT e seus aliados nos quatro governos nacionais chegaram ao poder ou apenas aos governos? De que poder estamos falando?

Quanto ao poder, se chegou à conclusão de que num país capitalista de fato quem determina é o econômico, como afirmava Karl Marx e, portanto se um partido de esquerda, ou mais à esquerda, governar o país, um estado ou um município, ou fará concessões ao capital ou não governará e mesmo assim não terá controle sobre o poder econômico. Basta ver o impeachment de Dilma.

Para início de conversa, sem entrar no mérito, tanto sociológico como antropológico, defendo a ideia de que o termo sociedade é uma convenção, que serve muito mais ao deus mercado do que ao ser humano em convivência. Prefiro o termo comunidade, pois em comunidade se vive situações coletivas e nos aproxima do bem comum, assim como das causas comuns.

Trago essa temática num momento de desencontros políticos. Entendo ser uma conversa necessária e atual, principalmente para se sair do debate pessoal contra essa ou aquela figura política que encabeça uma composição temerária como aliança e chegarmos a algumas conclusões dos porquês de tanta gana por determinadas alianças mercantilistas, comandadas pelos profissionais da política e principalmente quem ganha e quem perde com isso.

Em minha avaliação, quase que de forma geral, o processo eleitoral é conduzido, primeiro por vários interesses político-econômicos, que passam longe dos reais interesses da população que mais precisa e segundo que quase sempre é conduzido pelo emocional e não pela razão de ser. Ou seja, existe uma paixão cega pelo candidato ou pela candidata, sem nenhuma racionalidade. Isso na prática distancia as pessoas de entenderem a intencionalidade dos candidatos e das candidatas, deixando-os livres para agir.

A racionalidade está na discussão e formulação dos projetos políticos, que é quem pode dar vida a qualquer candidatura e as quantas mãos foram realizados. Em resumo, se tem projeto coletivo dá para se respeitar, mesmo que se discorde, agora se for uma carreira solo ou de interesses de um determinado grupo financeiro, serve apenas à Matrix, ou seja, ao sistema.

Ouço e observo por várias vezes crises de vingança que mais expressam a falta de maturidade política de seus atores, do que uma posição ideológica de discordância na essência da questão. Aquelas do tipo: “Ah se acontecer isso ou aquilo, saio do partido...”. Ou ainda “Caso isso ocorra, abandono a vida política...”. Isso é tudo que o sistema quer. Criar contradições e crises infantilizadas diante da complexidade da escolha de uma causa a se lutar, que se for real, acaba se transformando em projetos de vida.

É importante registar que existem vários desvios de conduta num processo eleitoral, quase imperceptíveis aos olhos de quem apaixonado está ou ainda de uma parcela da sociedade que foi transformada em massa de manobra para servir ao sistema, com a grande contribuição do PIG – Partido da Imprensa Golpista. Com isso, o voto, que se lutou tanto para se ter o direito de votar, tornou-se quase uma brincadeira obrigatória. Vota-se por obrigação, porém sem convicção. Vota-se por interesses e não por identidade política.

Eis alguns desvios politico-eleitorais que considero relevantes:

1. Vende-se a ideia de senso comum, de que todo político é ladrão e que política é uma coisa ruim. Com isso, todo pleito fica comprometido, fazendo com que a população vote em qualquer um ou qualquer uma, até por deboche.

2. Desclassificam-se as eleições como forma de elegerem quem a direita quer, usando para isso o ódio de classe e o ódio à classe política.

3. Priorizam-se os cargos majoritários, não por acaso, em detrimento dos legislativos, que é quem cria leis e as modificam. Isso faz com que se passe também a ideia de um voto de segunda classe para os cargos legislativos

4, Compõe-se os governos a partir de acordos mercantilistas, meio que do tipo escambo, ao invés de busca de afinidade a partir de um Plano de Governo.

5. Devido aos tipos de alianças e compromissos com as mesmas, não se discute a integração de governo a partir de um Plano Estratégico. Os diversos setores de governo acabam virando “caixinhas de poder”, com projetos personalistas, individualizados e bem longe da participação.

6. A maioria dos eleitos e das eleitas governa e legisla para si e às vezes até para a população, porém nunca com a mesma. Uma gestão participativa, seja no executivo ou no legislativo, necessita de instrumentos participativos, tais como: Conselhos de Mandatos e de Governos, Fóruns Temáticos Participativos, Mandatos Itinerantes, Capacitação Contínua, etc...

7. Predominância mercantilista, tanto para a maioria dos governos, como dos mandatos legislativos, tendo o assistencialismo como única moeda de troca.

Se o ato de governar e o de legislar são apenas fins em si, talvez se justifique as carreiras políticas solos. Aqueles ou aquelas que governam e legislam pensando apenas em seus umbigos e ficam para a história como heróis e heroínas do caos. Em tese, comandam um exército de ovelhas bem treinadas e vão tecendo a grande teia do poder, além de contribuir para que a pirâmide econômica seja cada vez mais dinâmica.

Porém, se os atos de governar e de legislar são entendidos como meios para as mudanças necessárias e efetivas na sociedade, cada espaço conquistado tem que ser transformado em pontos de empoderamento, conscientização e consequentemente em atos de militância constantes. Nesse caso, governa-se e legisla-se buscando a construção de bases na sociedade e não apenas de eleitores e de eleitoras. Não se busca heróis ou heroínas para ficarem na história e sim representantes dos anseios das comunidades.

As inquietudes de Matão foram discutidas nos cursos em 19 estados e serviram para que pudéssemos expor com clareza, a diferença de um modelo de governança individual e de outro coletivo. Um modelo que se encaixa perfeitamente em golpes e o sistema neoliberal, porém também dissimulado em mandatos ditos participativos e outro que visa libertar a sociedade de suas amarras e tem como eixo central a luta contra a exclusão econômica e social e todas as formas de desigualdades.

A cegueira política e a falta de entendimento dos códigos do poder provocam o caos e o ódio de classe que vemos hoje em curso.

Indigne-se como eu me indignei e exija seu espaço de participação, esteja onde estiver, porém ame como eu amei descobrir a causa que me move rumo ao futuro e saberás que não vieste ao mundo para ser mais um ou mais uma na multidão e sim sujeito e sujeita de sua própria história.

Aguardo-te nas estradas da vida, onde caminharemos juntos para a construção de uma sociedade justa, fraterna e igual para todos e todas.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública Social

4 comentários:

  1. Realmente, quando o sistema induz a colocar tudo no mesmo balaio: governo, legislador, poder econômico, eleições, e, processos que levam o povo à confusão, torna tudo ainda mais hediondo, pernicioso e duradouro. O dilema é como subsistir e como lutar contra essa prisão do sistema.

    ResponderExcluir
  2. Caro Elder
    Obrigado pelos comentários. Só existem dois caminhos parra se mudar o rumo das coisas: Organização Popular e Capacitação.

    ResponderExcluir
  3. Todas as vezes que nós da esquerda ganhamos as eleições, tivemos em mãos o governo e não o poder. Para termos poder, precisamos inicialmente que sejam eleitos deputados estaduais e federais alinhados com as propostas de governo que promovam a igualdade social, acesso à educação, saúde, moradia, etc. Se o voto for passional, sem uma análise de projeto do candidato e também uma verificação de quem ele representa, nunca sairemos desse processo que só beneficia o mercado e as instituições financeiras. Precisamos todos nos envolver na política e não ficar esperando que façam por nós.

    ResponderExcluir

Faça seu comentário sobre o Post