As
manifestações que estão ocorrendo no país na atualidade têm vários significados
e leituras, onde através delas podemos tirar grandes lições.
Em
primeiro plano é necessário entender que há um protesto subliminar contra
velhos modelos e conceitos de organização e participação. O povo não se sente
mais representado por uma grande parte de seus pretensos representantes sejam políticos
ou sociais, evidenciando, portanto uma crise de representatividade, onde esses
governantes, legisladores e representantes sociais, por enxergarem que a
população não domina os códigos do poder, pelo fato de não participar,
simplesmente os abandonam, voltando apenas no processo eleitoral ou na
renovação das instituições, apoiados na obrigatoriedade do voto.
Em
segundo, também é necessário refletir sobre a juventude, principalmente o que
faz uma juventude, que numa análise sem consistência poderia ser analisada como
a geração, que ou está envolvida pela violência, ou se encontra sem opção e
perspectiva, ou ainda está voltada apenas para o mundo virtual, se envolver num
processo de revolta cidadã, mesmo que não consiga decifrar sua dimensão ou se esses
jovens sabem que poderão estar sendo usados, justamente por aqueles que
suprimem a liberdade e sempre estiveram do lado de quem domina o poder
econômico.
É
provável que a extrema maioria desses jovens que está nas ruas, que não quer se
partidarizar nem partidarizar o movimento, com pleno direito, sequer saiba que nasceu
num período onde se conquistou o direito de votar, a duras penas puxado pelo
movimento das diretas já, após uma ditadura de 20 anos; ocorreu o impeachment
do presidente Collor; elegeu-se um presidente operário pela primeira vez e a
primeira mulher como presidenta, num país onde mulheres ganham menos que os
homens; brancos ganham mais que negros e os deficientes ganham menos que os
nãos deficientes. Também não devem saber que essas mudanças só foram possíveis
porque a população de alguma forma contribuiu, enxergou além do voto e que
também foi assediada pelos mesmos personagens que tentam usar o movimento no
momento. Quem dos mais velhos não se lembra da manipulação da rede globo,
revista veja e outros veículos de comunicação, no debate entre Lula e Collor?
Uma verdadeira vergonha nacional. Collor foi o candidato explicito da globo,
que o elegeu e logo após ajudou os mesmos que o lançaram a presidente e se sentiram
traídos a derrubá-lo. O povo nas ruas foi apenas o pretexto necessário para
justificar essa ação.
É
importante ressaltar que o que faz com que as mudanças tão necessárias e
cobradas não ocorram, além da impunidade, é um processo eleitoral arcaico, que traz no seu texto e contexto, um
modelo mercantilista, a base de troca de favores, um verdadeiro escambo, facilitando
a bandalheira e a indústria dos lobistas. Por outro lado também é fato, que
esse modelo é enfrentado de perto por gestores e governantes sérios, que
preferem o modo programático participativo, onde o povo participa desde a
formulação dos planos de governo no processo eleitoral, é chamado na formulação
das políticas públicas e exerce seus direitos de participação e controle
social.
É evidente que o aumento de preço abusivo, principalmente nos
gêneros alimentícios, mexe significativamente no processo inflacionário, que virou
palavra de ordem de candidatos contra o governo federal, faz parte do jogo sujo
de confundir a população por quem tem o domínio econômico, só para passar a
impressão que é culpa da nossa presidenta que não teria pulso para o controle
dessa situação. O governo federal fez a sua parte com a redução de impostos em
vários itens e redução de juros, forçando até com o os bancos privados fizessem
algo, que jamais imaginavam que seria possível. No que se refere a juros, só
foi possível reduzir devido à existência dos dois bancos estatais que fizeram
sua parte, que se safaram da onda de privatização na era FHC. Já imaginaram se
só tivéssemos bancos privados no país?
Porém, para que isso se torne uma realidade
permanente no país, se faz necessário principalmente que os Estados reduzam suas taxas também.
A imprensa que se constitui no quarto poder não quer ser controlada, como se fossem juízes das causas nacionais. Vale ressaltar que grande parte dela serve apenas aos grandes grupos econômicos e em nome deles criam suas pautas e confundem a cabeça do povo. Além disso, parte da imprensa que compõe o PIG - Partido da
Imprensa Golpista, só está abrindo
suas pautas para atenção aos protestos, para ver se colam esse movimento em
algo que prejudique o desempenho do governo federal e aumente seu ibope. Jamais
fizeram isso quando os professores, trabalhadores de outras categorias e
manifestantes de outras causas sofreram as mesmas violências e violações de
direitos por parte dos policiais, que infelizmente serve apenas a um setor da
sociedade. É necessário a criação de Conselhos Deliberativos de Comunicação no país, principalmente para que todos os setores sejam ouvidos, assim como é necessário a democratização dos meios de comunicação.
Não há nenhuma
dúvida quanto aos motivos legítimos que estão levando os jovens e adultos às
ruas, que inclui além da redução do preço das passagens e o passe livre
escolar, o combate à corrupção e a moralização da política no país. Há
necessidade da construção de uma nova forma de governar, onde possamos ter
governos com marcas de um governo ético, integrado, transparente e participativo.
Para que isso ocorra existem tarefas essenciais a serem realizadas, a começar
por uma Reforma Política e outras tão importantes, como: Reformas: urbana,
política e fiscal, criação dos diversos Planos Estaduais e Municipais, nos
moldes do governo federal, além da implantação da Lei de Acesso à Informação - Lei
12527/11, que regulamentou o direito de participação e controle social por
parte da população. Com essa lei, qualquer cidadão pode ter acesso a qualquer
documento público, sem necessidade de ser via judicial. O povo tem que começar
a usar esses instrumentos legítimos e democráticos, no sentido de ampliar a
percepção crítica e evitar o uso para qualquer fim que não seja a construção de
uma sociedade onde todos tenham os direitos básicos assegurados.
É importante refletir ainda que se por um lado os jovens não
querem se partidarizar, que é um direito, para não serem usados, também por
outro, não podem deixar ser usados por quem quer que seja. Essas novas
lideranças que surgem, contribuirão bastante se no futuro entrarem para os partidos
políticos, principalmente naqueles que tem como contexto ideológico a superação
das desigualdades, onde poderão de fato melhorar a imagem, atuação e lançamento
de novos atores no processo político do país.
A existência dos partidos faz parte do jogo democrático. Não há
outra forma de manutenção da democracia. A ditadura é a única alternativa para
uma vida política sem partidos e isso resultou na morte de milhares de pessoas
na América Latina, num passado bem recente. Muitos perderam a vida para que tivéssemos
o direito à liberdade e a construção de uma vida melhor. Não haverá democracia sem as
instituições, inclusive dos partidos. O problema não é a existência dos mesmos,
mas como esses partidos se comportam no processo democrático e isso está nas
pessoas e não nas instituições.
Segundo Antonio Negri, em seu livro A Multidão, a multidão reage
no seu micro espaço de poder e pode chegar ao macro, a partir do momento em que
as instituições não mais respondam aos objetivos para que foram criadas. Talvez
aí esteja de forma clara a primeira tarefa a ser trabalhada e qualquer mudança
só fará sentido se os atores envolvidos tiverem voz e voto nas decisões finais.
É certo que temos muito a fazer para chegarmos ao que
consideramos como ideal, a começar por uma saúde de qualidade para todos, mas
também é certo que não podemos voltar ao passado. Não se pode negar que o país
hoje e outro, com pleno emprego, sem as garras do FMI, sem submissão econômica
ao EUA e os organismos internacionais, com os mais pobres podendo estudar, ter
acesso à casa própria, viajar de avião e tantas outras coisas que eram
proibidos pela questão econômica, sendo chamado por vários países para ajudar a
implantar nesses, o SUS e o Programa Bolsa Família, como ferramentas importantes
no combate às desigualdades, mantidas no mundo por um sistema capitalista cruel
e desumano. Isso só está sendo possível porque o Brasil construiu um projeto
participativo, a partir de mais de 100 Conferências Nacionais nos últimos 10
anos e a criação de Conselhos Nacionais Deliberativos, que ajudaram a construir
políticas públicas sustentáveis. Quem não lembra do país de joelhos pedindo
dinheiro emprestado ao FMI, Clube de Paris e aos EUA. É preciso lembrar que hoje é o FMI que deve
ao Brasil.
Para terminar, vale lembrar que com mobilização social se chega
às vitórias, com o povo nas ruas de forma organizada exigindo seus direitos
fica mais fácil fazer grandes reformas que há anos ocupa as pautas nacionais e
não sai do papel, principalmente porque não interessa a quem lucra com a falta
delas. Num país capitalista precisamos de um Estado forte, pois toda vez que se
enfraquece o Estado em detrimento ao mercado, transferimos as funções sociais
do Estado ao setor privado, beneficiando apenas um setor, elitizando os
direitos e aumentando as desigualdades.
Salve a democracia, salve o povo organizado nas ruas e fora todo
tipo de repressão e vandalismo, que se aproveitam da situação e fora também
todos aqueles que querem confundir a cabeça do povo.
Você que esteve nas ruas protestando contra tudo e contra
todos, vai nos ajudar a construir uma nova sociedade, sem corrupção, justa,
fraterna e igual para todos?Se isso ocorrer, com certeza nos encontraremos no futuro.
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