A gestão pública está em crise? De que modelo de gestão estamos
falando? Porque ainda hoje parte do funcionalismo público e da própria
sociedade trata a máquina pública como uma “terra de ninguém”? Porque as
pessoas criticam a máquina pública, em muitos casos com razão, mas, no entanto
não se responsabilizam na escolha de seus dirigentes? O que há de novo e
positivo na Administração Pública do Brasil?
Para respostas mais precisas a essas perguntas necessitaria percorrer
um longo caminho, a começar pelo abandono da máquina pública, passando pela falta
de interesse de grande parte dos servidores de carreira, principalmente pela falta
de perspectiva profissional e pelos inúmeros escândalos que envolvem grande
parte dos gestores, que usa esse espaço para a autopromoção e usam a maquiagem para
seduzir os eleitores menos informados e sem comprometimento em quem votaram.
A
Administração Pública no Brasil, que sempre foi tratada em segundo plano, como
algo menor, como um lugar onde as pessoas sem se esforçarem muito conseguem
permanecer até suas aposentadorias, passa por um momento de reflexão ou mesmo
de reinvenção, basta pesquisar o que havia há pouco menos de dez anos, quando
praticamente inexistia ou pouco existia, um campo de formação acadêmica que
formasse e qualificasse gestores e técnicos no sentido de proporcionar uma
melhoria na qualidade dos serviços prestados à população. Hoje milhares de
pessoas buscam novos conhecimentos e gradativamente esse setor se apresenta
como um novo campo técnico profissional.
Vale
ressaltar que a academia, que sempre esteve focada apenas no mercado, descobre
aos poucos que formar pessoas em Gestão Pública na atualidade, além de ser um
campo rentável, faz parte das obrigações com a sociedade, que poderia ser
resumido como a missão de formar para poder servir. Assim, entender a
complexidade desse campo, saber analisar as diferenças ideológicas contidas em
cada governo, preparar os alunos para conduzir seus trabalhos para além dos
resultados numéricos e preferencialmente envolvendo os atores para cada ação de
governo, passa a ser um dos maiores desafios a ser superado, principalmente
pela falta de professores que estejam conectados e atualizados com os
diferentes modelos de gestão, com as Políticas Nacionais e com os direitos
conquistados pela população.
A
cultura da Gestão Pública centralizada se expressa na prática na enorme
dificuldade de se trabalhar de forma integrada, onde cada espaço de governo se
transforma em setores individualizados de poder. A construção de um projeto
integrado e participativo de Governo, que ocorre apenas em alguns casos e
estarem vinculados aos Planos de Governo, quando aplicado em seu dia a dia,
normalmente é fracionado por diversas razões, que vão desde a falta de
conhecimento técnico dos gestores, passando pela falta de visão política do
projeto a ser defendido e o que é mais grave esbarrando na enorme burocracia
provocada por uma máquina viciada e sem capacitação. Vale salientar que no seio
dessa análise há que se considerar a vaidade de alguns gestores ou ainda o medo
frequente de perder o controle de sua área de atuação.
Um
Governo não representa apenas a vontade política do seu gestor principal ou do
grupo seu grupo de apoio, mas, sobretudo o pensamento político desse segmento.
Assim sendo, o resultado esperado não pode ser medido apenas pela quantidade de
obras entregues, que de fato é um dos referenciais em qualquer governo, mas que
tipo de sociedade esse governo constrói e que processos sociais estarão
envolvidos nessa construção, principalmente para que se diferencie o que é assistencial
de função do Estado, o que é assistencialismo que é a manutenção do estado de
precariedade e que projeto de cidadania está sendo proposto e construído com a
população que se encontra excluída na sociedade.
Faz-se
necessário a utilização de um enfoque político estratégico de planejamento que
permita uma melhor compreensão por parte do Grupo Dirigente Central e da Base
Técnica do Governo, principalmente para que se possa fazer do ato de governar
uma possibilidade concreta de mudança na sociedade, onde o Projeto do Governo
represente de fato uma melhor qualidade de vida para a população,
principalmente a de baixa renda.
John Gaventa[1],
ao escrever o Prefácio do Livro Participação e Deliberação, afirma: “No mundo
todo estão surgindo novos debates sobre como revitalizar e aprofundar a
democracia”. Segundo ele existe um “déficit democrático” ou uma “perda de
vitalidade” da democracia:
“Os cidadãos estão se distanciando das
instituições representativas tradicionais, à medida que grupos de interesse
ganham controle sobre as instituições e que a participação passa a ser
impulsionada mais pela lógica do consumo do que por uma postura ativa de
cidadania”.
O autor explica ainda em seu texto que tanto a deliberação quanto
a participação estão sendo usadas por um espectro de atores muito diversos, com
objetivos também muito diversos e que isso traz implicações radicalmente
diferentes na agenda democrática. Segundo ele, para alguns, a visão democrática
é aquela que privilegia menos governo
(tese neoliberal do Estado mínimo), impulsionada pela perspectiva neoliberal da
eficiência e da austeridade e para outros, trata-se de utilizar novos espaços
democráticos e oportunidades e promover uma ampla transformação social.
Partindo do pressuposto, que do
ponto de vista da relação governo e sociedade, ainda é um tabu estabelecer um
processo de governância citado por Dror (1999), como sendo o ato de governar a
várias mãos, principalmente pelo fato de boa parte dos governantes não terem
compromisso com a sociedade e em especial o setor mais necessitado, qualquer
iniciativa que resulte em resultados concretos de interação, que possibilite
trabalhar a fundo, tanto a participação como a deliberação envolvendo os atores
de um determinado setor da sociedade ou mesmo de governo, passa a ter uma
importância significativa, tanto do ponto de vista do modelo de gestão como
principalmente pelos resultados políticos obtidos a partir de experiências
concretas, porém para que isso possa ocorrer se faz necessário, cumplicidade e
compromissos claros das pessoas envolvidas com o projeto em construção.
A
partir dessa breve análise, tendo como objeto de estudo a gestão pública, se
faz necessário afirmar que trabalhar de forma participativa e com
transparência, requer antes de qualquer coisa, mudanças de postura do gestor com
relação ao poder e principalmente em relação à forma de administrar uma
instancia de poder, porém isso só faz sentido se o projeto que está em sua
mente ou em exercício como meta de vida não for individual e sim coletivo,
mesmo esse projeto sendo executado numa sociedade de múltiplos interesses.
[1]
Prof. John Gaventa, sociólogo, pesquisador em formação e liderança
organizacional.
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