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domingo, 7 de janeiro de 2018

Um canto para quem se encanta

Sinto grandes emoções para esse ano. Primeiro pelos diversos momentos de enfrentamento ao golpe em curso que virão e segundo por ser um ano eleitoral. 

Infelizmente as eleições são decididas pelo emocional e não pela razão. Assim, em qualquer canto do país haverá alguém para encantar uma parte da população, independente que seja do bem ou do mal. A população inconsciente estará sempre encantada pelo canto da sereia.

Quem sabe um dia a população vote por convicção, a partir da leitura de um projeto político desenvolvido a várias mãos e por afinidade ideológica. Porém isso ainda é pura utopia. A maioria da população canta a canção de seus opressores e se encanta tentando os imitar. Algo que só se explica para quem sabe o que é alienação.

Mudando de assunto, iniciei minhas escritas esse ano por outras veredas, no sentido, não de fugir da causa que sempre defendi, mas tentando buscar inspiração do outro lado da rua. Algo que pudesse informar, mas também que atraísse o leitor e a leitora para os cantos que o texto relata, ou ainda que os encantassem levando-os para dentro das histórias. Uma ousadia poética com o objetivo de prender a atenção de quem passar por aqui.

Para esse post resolvi dar um título vago, onde ao mesmo tempo em que canto pode ser um som, também pode ser um lugar qualquer ou específico e o encantar que pode ser algo deslumbrante, também possa ser algo mágico com o intuito de desaparecer.

Nasci numa casinha num pé de serra pelas mãos de uma parteira. Coisa bem comum naqueles tempos e naquelas bandas onde nasci. Cresci sentindo o cheiro do mato, brincando no rio e nas horas vagas subindo num pé de pitomba (da família da lichia) como passatempo. Quer coisa melhor?

Descobri com o tempo que devo ser filho do sol, pois apesar de curtir uma chuva fina que caia sobre as árvores, quando criança, o que me alegrava mesmo eram os raios de sol. Raios de luz brilhando nas águas do rio. Réstias que faziam eu e meus primos brincar com as sombras e assim passava o tempo.

O encontro com o contraditório em termos de vida, no papel de migrante nordestino chegado a São Paulo ainda criança e pobre e a reação à violenta discriminação social que sofri me levaram à militância política. Um encontro com a poesia em termos de vida, pois ali todos e todas eram iguais e sonhavam sonhos coletivos. Nem precisava contar o meu.

Durante muito tempo sonhamos e atuamos por um novo mundo, por justiça social e por igualdade de direitos e cantamos as músicas de protesto da época em vários cantos da cidade. Nessa época, de todos os cantos da América Latina sofrida saiam cantos que nos fazia viver. Verdadeiros saraus recheados de conjuntura.

Aqui no texto, se canto for cantar, me leva a uma canção interpretada por Mercedes Sosa e Beth Carvalho, que começa assim: “Eu só peço a Deus; Que a dor não me seja indiferente; Que a morte não me encontre um dia; Solitário sem ter feito o que eu queria”. Um desafio à própria existência. Um recado para quem tem uma causa para lutar. Mercedes e Beth sempre lutaram por uma causa.

Porém se canto aqui for um lugar, fico imaginando um cantinho além do horizonte. Uma casinha com fogão de lenha onde se possa ver o por do sol e quem sabe um violão afinado para ai canto ser som e lugar ao mesmo tempo.

A vida não devia ser assim? Cheia de histórias para contar. Em sua essência o ser humano é assim. A maioria das pessoas tem uma história de vida que adoraria contá-la para alguém que a valorizasse, mas em muitas vezes não se encontra ninguém disposto a ouvir. Aí nesse caso o encantar passa a mera vontade de desaparecer.

Uma das coisas que certamente altera o tom da vida e o comportamento dos seres humanos é o poder, ou o que se chama de poder. Quem não conhece uma pessoa dócil e gentil, que ao simples contato com o que imagina ser poder virou um monstro ou ainda um ser intocável? Por outro lado, as várias formas de poder, para a população desprovida de conhecimento, acabam se tornando uma bela ilusão. Um canto onde o verdadeiro lobo permanece encantado.

No filme a Guerra do Fogo, quando uma tribo descobriu a magia do fogo, que naquele momento simboliza o poder para quem o tivesse, logo formou um exército em volta para guardar de outros seres a grande descoberta. Assim nasceu a ideia de polícia para guardar o simbolismo de um grupo em detrimento ao restante da população e repressão aos intrusos do poder.

Voltando ao canto como som, como esquecer da música do Vandré: “Há soldados armados; Amados ou não; Quase todos perdidos; De armas na mão; Nos quartéis lhes ensinam; Uma antiga lição; De morrer pela pátria; E viver sem razão”. A “Síndrome do Rambo” invadindo as mentes com o poder das armas.

E se encantar aqui no texto for compreendido como uma reação humana que provoque uma sensação de interesse intenso, porque não tentar sentir o que um beija-flor sente quando experimenta o néctar de uma flor, ou ainda quando se depara com um jardim? Agora se encantar for o ébrio provocado por falsas sensações, que dê vontade simplesmente de desaparecer, porque não enfrentar como se fosse a última batalha?

Prefiro a utopia de mudar a sociedade cantando nas passeatas da vida, do que ser um ser imutável e inútil daqueles que esmorecem quando descobrem que nem história deixarão. Minha história não se encanta por qualquer canto. Faço história cantando com as pessoas, só pelo prazer de ouvir a voz em coro.

Prefiro ainda encantar as pessoas subvertendo a ordem imposta de cima para baixo, afirmando que elas podem mudar suas próprias histórias, do que aceitar um canto qualquer como resultado do meu projeto de vida.

Que cantemos juntos e juntas o hino da vitória, seja em que canto for.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública Social

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Um brinde à Esperança

Depois de um adeus a 2017, um ano que não deixou saudades, resolvi começar o ano novo falando de algo mais abstrato e brando, visto que minha inquietude dos últimos tempos me deixou um tanto amargo.

Algo que levasse alguém a caminhar diante de suas realidades com esperança, partindo do pressuposto de que os leitores e as leitoras do blog são pessoas sonhadoras, mas de um sonho que não se sonha só e sim com quem tem paixão pela vida, que desafiando a lógica do momento enfrentam um sistema perverso e sonham em construir uma nova sociedade. Uma sociedade justa, inclusiva e igualitária para todos e todas.

Caso fosse um poeta e tivesse habilidade para escrever um verso de amor, queria que ele tivesse tamanha profundidade que fizesse quem está apaixonado se sentir dentro dele. Ou ainda que quem estivesse sofrendo das causas do amor ou de desamor o usasse para curar um pouco de suas angústias. Algo que fosse ao mesmo tempo luz e alma. Vida e esperança.

Porém, como não poetizo, mas adoro brincar de escrever, vou me arriscar a falar sobre esperança e buscar definições sobre a vida, a partir de alguns autores, desse bem maior que nos é concedido por tempo determinado, que infelizmente para um setor da sociedade vale tão pouco.

Imagino a esperança como um pacto com o futuro, a partir de nossos encontros e desencontros, visando algo melhor ou a busca de soluções para os problemas cotidianos. Esperança a meu ver é vida que se renova. É refúgio para quem se perde de si mesmo e para muitos e muitas acaba se tornando a única alternativa para quem não tem mais ao que recorrer. Uma espécie de busca das últimas forças para sair do casulo que nos metemos de vez enquanto.

Uma coisa é certa, ninguém recorre à esperança do nada e para o nada e sim para se chegar ao ponto que se almeja, muitas vezes forçado pelos vieses da vida.

O teólogo Ricardo Gondin, ao ler para Rubem Alves o texto “Da Esperança”, disse num dos trechos: “Dizem ser verde a cor da esperança. Eis, então, o tom que anima o vencido a continuar resoluto. Só ela ressuscita audácia em corações arruinados. Esperança, ao devolver alegria ao desiludido, lambuzado de cinza, nunca se contenta com uma só tonalidade. Ela é dona de todas as cores, na esperança mora um arco íris”. Lindo, não é mesmo?

Esperança é o que nas entrelinhas da vida, ou ainda no trato com as desigualdades humanas, pode servir de alento para os mais pobres e sofridos ou ainda para as usuras de quem sempre quer mais para acumular. Porém, esperança sempre será vida, talvez por isso o ditado de que é a última que morre.

Noutro trecho Gondin diz: “Esperança se move de frente para trás. Réstias de sua luz veem do futuro, do porvir mais longínquo, para iluminar o presente. Esperança é a  força derradeira que anima o velho e o brilho que anima os olhos da mãe quando embala o filho”.

Enfim, esperança, repleta de interpretações, é saber que ainda pode restar alguma água no fundo do poço e é pra lá que nos movemos em tempo de seca.

E a vida que se move a partir da esperança? Parece-me ressurgir com mais vigor e duração, mesmo que o que se esperançava não aconteça, porém só o fato da viagem ao tempo esperançando, faz com que o futuro fique mais próximo. A vida presente e futura, ambas ligadas através do ato de esperançar.

Por outro lado, a vida, que deveria ter uma visão única, principalmente pelo seu valor, se move em definições de acordo com o estado emocional de quem a define. Vou recorrer a alguns autores para expressar essa afirmação.

Calderon de La Barca em seu “Monólogo de Segismundo”, escrito em 1636 no drama “A vida é sonho”, fala que a vida é um frenesi, uma ilusão, uma sombra, uma ficção, ao se referir que o maior bem que possuímos é pequeno.

Fernando Pessoa, por sua vez, valoriza cada momento da vida ao afirmar: “Às vezes ouço passar o vento e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”. Algo tão poético que acaba expressando a gratidão do bem de viver. Um sincero e verdadeiro agradecimento por ter nascido.

Albert Einstein fala de uma dualidade existente no ato de viver, que expressa exatamente o estado emocional de quem vive a vida: “Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre”. Ou seja, uns vivem outros transitam pela vida.

Porém, foi Clarice Lispector, que a meu ver fez a melhor homenagem à vida: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Um mergulho sem medo de ser feliz em sua existência.

A esperança não se move sozinha, depende principalmente de fé e de sonhos. Não é ilusão e sim uma aposta no futuro. Porém, não existe uma lógica matemática para que o resultado de uma esperança ocorra e sim um sonhar que afaga a mente e refrigera a alma, afirmando em todos os momentos ser possível o que se almeja, desde que se acredite e a sorte dê sua contribuição. Esperança é antes de tudo compromisso com a vida, pois é dela que se nutre o ato de viver.

Que em 2018 possamos esperançar e obter infinitos momentos felizes vivendo a vida.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Reconstruir a dignidade em 2018 com os cacos de 2017...

Fiquei pensando o que escrever como o último post de 2017. Algo que expressasse minhas preocupações em relação ao desmonte nacional, provocado pelos golpistas de plantão, mostrasse que só a organização popular e o enfrentamento organizado ao golpe serão capazes de salvar o pouco que restou das conquistas históricas do século passado, mas também, como humanista, trabalhasse uma dose de otimismo, que ninguém é de ferro.

Foi um ano para se aprender e para sofrer. Assistimos incrédulos e inertes  instituições brasileiras serem dizimadas uma a uma, impulsionadas pelo mercantilismo espúrio que tomou conta da política nacional. Escândalos de toda ordem vieram à tona, provando que o sistema político nacional está bichado, dominado e à venda. Quem tem mais leva. Pouco restou dos três poderes e quase nada da tal democracia representativa.

Politiqueiros e políticos profissionais de plantão agiram como piratas do mar de lama que transformaram o país e como larápios de casebres roubando dos pobres seus últimos pães. Criaram novas formas de rapinagem e se deliciaram com as farras e as montanhas de dinheiro público, que só não há para garantir a Previdência dos assalariados, nem para um aumento digno do salário mínimo, por exemplo, mas sobra quando a pegada é à compra de deputados e senadores que votem a favor do desmonte nacional, ou ainda para lotar os cofres dos bancos internacionais em contas pessoais privadas.

Quem vai pagar essa conta? Lula que é o candidato que se não condenarem ganha as eleições e o povo trabalhador é claro! Tá tudo dominado!

Na ordem do dia está reconstrução da casa-grande com grandes muralhas e construir a maior senzala que esse país já viu. Uma senzala que não tem cor. Tem apenas ódio de classe. Uma espécie de primeiro passo para um e extermínio em massa, visto que já está em curso, com a matança de jovens negros e pessoas da periferia. Uma verdadeira limpeza racial e econômica.

Em resumo, o ano de 2017 foi um ano de trevas. Roubaram a luz. O golpe em curso levou com ele a esperança de milhares de pessoas, como também centenas de conquistas alcançadas nos últimos cem anos. Só isso já bastava, para fechar o sinistro ciclo, porém em 2018 o governo golpista quer destroçar a Previdência. Desfigurar um direito fundamental de quem trabalha tudo em nome de um desenvolvimento, que nada tem de humano, ditado pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelo capital internacional. Um pacto entre o deus mercado e o demônio imperialista. Algo que nem com muita água benta se exorciza. A não ser com organização e muita luta.

Desde a primeira greve organizada em 1907, que paralisou a cidade de São Paulo, passando pela primeira greve geral ocorrida em 1917, até os dias de hoje, nada foi doado para trabalhadores e trabalhadoras e sim conquistado com muito luta, mortes e também traições. O medo que ronda o país é que o que se reivindicava em 1907, tais como: jornada de oito horas diárias de trabalho, direito a férias, proibição do trabalho infantil, proibição do trabalho noturno para as mulheres, aposentadoria e assistência médica hospitalar, esteja tão atual após a fatídica reforma trabalhista, que seja a única pauta novamente a ser reivindicada numa próxima empreitada organizada, quando a classe trabalhadora acordar. Porém, pode ser e deve ser tarde demais...

A primeira vitória da rapinagem foi acabar com CLT, que era um sonho deles antigo. A CLT foi jogada no lixo com as 117 mudanças ocorridas, a tal ponto das empresas agora trocarem de funcionários, contratando-os, por favor, com o tal “Contrato Intermitente”. Um verdadeiro desrespeito à própria Constituição Federal. O resultado disso? Mais da metade da classe trabalhadora já se encontra na informalidade e o 1% mais rico do Brasil ficando com 27% da renda nacional e os 10% mais ricos, com 55%. É a volta da pirâmide econômica em grande estilo. É a morte do que eles chamavam de “Nova classe média” e a Professora Marilena Chauí chamava de "Nova classe trabalhadora”. Viveu-se uma doce ilusão.

Em regras gerais, ou trabalhadores e trabalhadoras se unem e lutam ou serão dizimados. Ou se organizam ou nem mesmo sindicatos terão mais.

Uma dose de otimismo...
Para escrever alguma coisa otimista tenho que recorrer a Paulo Freire, que tive a honra de conhecer e materializar uma de suas teorias na Prefeitura de Artur Nogueira, quando era Secretário de Planejamento, quando criamos o Grupo Gestor de Integração e Planejamento e usamos a Teoria do Carrossel.

Paulo era um sonhador por convicção e viajava em sua utopia de empoderar a sociedade, de dar voz a quem não tinha e afirmar que o conhecimento transformava as pessoas e as fazia voltar a sonhar.

Usando Paulo Freire foi nessa linha que conduzi 38 cursos pela Fundação Perseu Abramo nesse ano, em 12 estados, com o principal objetivo de ensinar e aprender. Dar e receber. Subverter as pessoas afirmando que elas podem transformar suas próprias realidades, na medida em que entenderem que sozinhas nada são, mas juntas poderão transformar a sociedade, rumo a uma sociedade justa, fraterna e igualitária para todos e todas.

Termino citando uma das falas de Paulo Freire, onde mostra sua inquietação para sair de sua utopia rumo a práticas a ela coerentes.

“Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. (Paulo Freire)”.

Um 2018 de muitas conquistas!
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Um bonde chamado solidão


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Por definição, solidão pode ser a falta de companhia ocasionada por decisão pessoal ou por contingência de uma situação provocada, que ocasiona entre outras coisas isolamento, carência e um profundo vazio, mas também pode ser a falta de contato com a própria essência. Algo que transcende a angústia de estar sozinho e deságua num determinado momento na vida das pessoas.

Porém, a pretensão deste post é apenas chamar a atenção para novos tipos de solidão, como por exemplo, a solidão vivida em meio á multidão, ou ainda a solidão de não ter objetivo de vida e nem perspectiva de como será o futuro. Uma solidão que caminha com a própria vida.

Com um pouco de atenção se percebe que uma grande parte da população brasileira se encontra em solidão. Ou seja, apesar de rodeados e rodeadas de outros seres humanos, não interagem e não dialogam sobre suas existências, apenas transitam em pequenos papos ou flertes que se perde no tempo e nada fica de concreto.

Por ser um sentimento decorrente, a solidão pode ocorrer não só pelas questões sentimentais ligadas ao amor ou falta dele, mas também se revelar num ambiente de trabalho, por exemplo, ou em qualquer outro setor de convivência humana. Há algo mais cruel do que a discriminação explicita ou dissimulada, que provoca um estado de carência e que leva à solidão? Ou ainda, pessoas do seu ambiente de trabalho que ao cruzar contigo desvia o olhar para nem cumprimentar?

Partindo desse cenário vêm outras perguntas: Será preciso estar solitário para que se reflita sobre a vida? Será necessária uma dose de tristeza para que se atenha sobre a realidade interior? A introspecção provocada por uma solidão nos leva à reflexão, ou apenas expõe nossas fragilidades?

No Samba da Benção, Vinicius de Morais afirma que para se fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão, não se faz um samba não. Ou seja, nesse caso a tristeza leva os compositores a dialogarem ora com ela mesma, ora com a esperança e quase sempre com o desamor.  

A solidão é um tema complexo, pois envolve origens diversas e caminhos muitos diferentes de se lidar com a situação. Para uns solidão é uma doença, para outros uma necessidade rumo à reflexão e para muitas pessoas uma angustia constante que pode levar a um estado depressivo e à várias doenças físicas ou mentais.

Ao se fazer uma breve análise do modernismo atual, ou seja, da era do conhecimento, observa-se as redes sociais bombando, milhares de pessoas interagindo dia e noite sobre diversos assuntos, dos mais sérios aos mais banais, porém a maioria das pessoas permanece só. A interação na web por si só não dá conta de superar a solidão. A busca por tudo e nada ao mesmo tempo nas redes só faz aumentar o estado de solidão. Seres humanos precisam de um projeto de vida, que faça valer suas próprias vidas.

Vivemos na era de novas formas de solidão. Existem na sociedade uma pressa sem igual e uma busca incessante por não se sabe o quê e a resposta de tudo isso pode ser uma insatisfação individual ou coletiva que começa nas redes e pode terminar num ponto qualquer da cidade ou do campo e muitas vezes em diferentes formas de violência. Nesse caso podemos chegar à conclusão que a solidão pode se transformar numa doença social.

ONGs britânicas chegaram à conclusão através de pesquisa, que a solidão é uma “assassina invisível”, mata aos poucos, principalmente as pessoas idosas. Segundo essas organizações, um em cada dez idosos britânicos sofre de solidão intensa, que desencadeia vários problemas, como o Alzheimer.  

Partindo desse pressuposto, há evidências de que uma possível cura para a solidão pode estar no processo de interações que busquem o prazer, se referindo ao prazer aqui como algo que eleve a pessoa, que a mesma se sinta contemplada com o que estiver fazendo e principalmente que seja algo que fortaleça o ego e aponte para missões futuras. Ou seja, algo que mantenha as pessoas ocupadas em atividades que as façam felizes.

É até possível que algumas pessoas necessitem de uma dose de tristeza e solidão contida, para fazer fluir ideias de forma poética, como na samba do Vinicius. Porém, há sempre um grau de risco numa situação como  essa. O que fazer se virar uma crise?

Clarice Lispector expressou em vários momentos suas inquietações sobre a solidão. Certa vez ela afirmou: “Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”. Uma frase poética, mas que expressa que uma vez em solidão só resta enfrentá-la. Como não se pode intervir no passado para que situações desagradáveis não aconteçam, só nos resta mirar na vida que virá.

Fecho essa pequena incursão sobre a solidão com duas frases. Uma do Augusto Cury, que faz um alerta diferenciando a solidão provocada por fatores externos, da solidão que veio e ficou como um abandono do ser: “Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável”.

A outra de Vinicius de Morais, afirmando que mesmo um amor inacabado ou às vezes inexistente vale mais que a solidão: “Não há mal pior que a descrença, mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”.

No mais, quem nunca viveu uma solidão, ou pelo menos momentos de solidão? Trato minha parcela de vida solitária tentando entender meu presente, frutos de desencontros passados e focando na minha missão enquanto vida. Lutar por uma causa humanista, sob qualquer situação, que possibilite as pessoas voltarem a sonhar e deixar para a história minha contribuição.

Antonio Lopes Cordeiro
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública Social
tonicordeiro1608@gmail.com

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Um tratado com o futuro...


Do ponto de vista pessoal, cá da minha individualidade, falo de futuro com certo receio, pelo simples fato de não saber do quanto será comigo presente, porém do ponto de vista político, como ativista de uma causa humanista, falo de futuro com prazer, visto que poderei ser historia presente em ações futuras e isso me faz caminhar com mais pressa ainda. 


Em minhas andanças no campo da imaginação, fico a me perguntar o que leva uma pessoa a dedicar toda sua vida às causas humanas e tantas outras simplesmente a explorar a boa fé da humanidade. Algo complexo de explicar do ponto de vista racional para quem luta pela humanidade e mais fácil para quem dela tira proveito, visto que estão sempre em busca de resultados.

A partir dessa realidade vêm algumas perguntas: O que deu errado? Como se desenvolve a natureza humana? O que incide para esse comportamento ou escolha? Em que momento da vida pode se dar a escolha para um dos caminhos? Enfim, várias perguntas com várias possíveis respostas, dependendo exatamente das escolhas que se faz.

Ao analisar o cenário nacional nos dias de hoje, chega a ser assustador o fato de milhares de pessoas aceitarem a alienação como condição humana e, portanto serem conduzidas por vontades alheias, como se a alienação fosse uma escolha. Por mais indignado que eu possa estar jamais posso aceitar essa ideia e aí vem nossa enorme tarefa, que é levar o conhecimento e reflexão como pontos de partidas para uma possível mudança de comportamento para esses e essas que transitam no campo da alienação.

O fato é, se a alienação é também uma ferramenta do sistema e que mantém a massa junta para um enfrentamento manipulado, sejamos o que tempera essa massa, o que altera sua composição e passemos a disputar cada grão que a compõe. Sejamos nem que seja o que vai desandar o resultado esperado pelos agentes do sistema.

Por outro lado, se de fato a opção pela luta se dá de forma consciente, vale a pena ressaltar que tudo começa pelo sonho de mudar a sociedade e, portanto, se luta pelo incerto, por algo que nem possa acontecer, porém, para milhares de pessoas que se encontram em luta permanente contra as desigualdades e as injustiças em qualquer parte do planeta, não importa ao certo a qual resultado se chegará e quanto tempo isso vai levar, o mais importante é mostrar ao mundo nossa indignação pelo acúmulo de capital e riquezas em detrimento da miséria e às más condições de vidas de milhões de pessoas e mostrar também nossa indignação constante pela pirâmide econômica que dá sustentação a todas as formas de desigualdades.

É importante deixar claro que lutamos sim também por todos alienados e todas alienadas que se encantaram pelo canto da sereia, pelo simples fato de entendermos que a alienação se constrói no vácuo deixado pela falta de conscientização e aí está o grande papel do ativista, que é a luta diária na disputa das ideias.

Declaro-me totalmente contra a cooptação de quem quer que seja pela via da lavagem cerebral, ou ainda por resultados momentâneos, que na prática se constitui noutras formas de alienação.

Disputar ideias é antes de tudo disputar a condição subjetiva da própria existência humana, no sentido de levar as pessoas a optarem de forma consciente ser alienadas e servir ao sistema ou se juntarem a milhares de sonhadores e sonhadoras que se alimentam da utopia da construção de uma sociedade justa, fraterna e igual para todos e todas.

Comprometer-se com o futuro é ser leal à causa e ser um agente multiplicador da possibilidade das pessoas de bem voltarem a sonhar.

Quero sonhar junto com todos e todas para que meu sonho faça sentido.


Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com


sábado, 18 de novembro de 2017

Quem inventou esse cenário de trevas e como desinventar?


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Escrevi ha pouco tempo no blog sobre a absurda passividade do povo brasileiro da atualidade, afirmando que nosso povo nunca foi assim. O povo sempre lutou por seus direitos na busca de melhores condições de vida e teve conquistas históricas, principalmente ao longo dos últimos cem anos.

Porém, o que pretendo chamar a atenção nesse post é da enorme dificuldade nos dias de hoje para se produzir um texto com mensagens positivas e de otimismo, tamanho é o cenário de destruição, tristeza e abandono produzido pelo golpe em curso, que de uma hora para outra liquidou com conquistas históricas e memoráveis, seja no campo institucional, político e principalmente no campo econômico e trabalhista. O Brasil deles é um país para apenas 15 milhões de brasileiros e de brasileiras. O restante se encontra nos guetos.

Há um enorme vazio entre a felicidade de outrora (até pouco menos de três anos) e os tempos de crises atuais. Entre o que a maioria do povo brasileiro imaginava ter e a dura realidade que bateu às portas de milhões de pessoas. O que se torna urgente é descobrir que mistério é esse, ou ainda que magia é essa, que faz com que o povo se cale e aceite de forma pacífica diante de tudo que está ocorrendo e ainda o que vai ocorrer.

Do ponto de vista existencial vive-se uma profunda crise de identidade, do tipo: Quem fui? Quem sou? Quem serei? Esse foi o resultado mais cruel do golpe e do desmonte nacional. Uma crise de identidade construída pela velha mídia pertencente a apenas seis famílias abastadas, que leva as pessoas até a se culparem por ter votado em Lula e Dilma. Como resultado final, temos uma grande parte da população perdida em si mesmo. Paralisada e vivendo a expectativa da próxima desgraça, mas sendo treinada que não há outra saída.

Infelizmente existem dois mundos no cenário nacional. Dois Brasis, separados por sonhos, fantasias e pesadelos. Duas partes do país, que vivem realidades completamente diferentes. Um pequeno lado ilhado desfrutando das benesses produzidas pela maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras e a maior parte vivendo de preconceitos, vontades alheias e a completa falta de oportunidades.

O mais incrível é que apesar de tudo isso, as pessoas transitam por esse meio como se nada tivesse ocorrendo. Uns aprenderam que é assim mesmo, outros acham que a culpa é da política e dos políticos corruptos, enquanto a militância das causas tentando mostrar que se faz necessário e urgente uma resposta popular ao que vem acontecendo no Brasil. Em resumo, uma grande parte da sociedade desnorteada, outra destilando ódio, outra ainda se aproveitando da situação e uma pequena parte em luta permanente sem um amplo projeto que unifique suas diferenças políticas e ideológicas.

Quando se atua por uma causa é necessário entender, que determinadas situações nos obriga a buscar na sabedoria respostas de qual o caminho devemos percorrer em busca dos objetivos, principalmente por sermos responsáveis por quem cativamos e por quem construímos rotas que envolvam corações e mentes. Somos eternos condutores dos sonhos que se perderam para milhares de pessoas ou ainda dos que não acreditam mais poderem sonhar.

A vida pode ser um jogo para alguns, uma arte para outros, ou ainda a plenitude do encontro existencial e o que pretendemos deixar como história. A experiência de vida nos oferece a reflexão, mas também as dúvidas, enquanto a sabedoria nos conduz ao ponto determinado com maior segurança.

Ser sabido é muito fácil, mas ser sábio requer determinação, reflexão, estudo e principalmente renúncias ao que não há valor algum. Ser sábio exige antes de tudo, comprometimento com a verdade, com a pureza e a leveza do ser e principalmente com a vida, coisas que vão muito além das palavras.

Da minha parte, prefiro brincar de ser sábio, mas que me leve à descoberta de minhas limitações e a disposição de continuar lutando, do que me mostrar experiente, do tipo sabe-tudo, que imagina de forma vã um sucesso inexistente. Prefiro viver dos desencontros possíveis e palpáveis que a vida me leva, a viver achando que encontrou o que jamais existiu ou existira.

Quem inventou a tristeza, como na música de Chico Buarque, todos nós sabemos, porém para desinventar só tem um caminho seguro: organização popular de forma consciente e o enfrentamento contínuo à toda essa situação até o dia que o sol voltar a brilhar e possamos caminhar rumo à uma sociedade justa, fraterna e igual para todos e todas.

Enfim, a situação nos faz refletir.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública



sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Ciência e Tecnologia e a Agenda 2030 da ONU.


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Muito se discute sobre a Agenda 2030 da ONU, mas poucos sabem do que se trata e o porquê da escolha do ano como referência. Criada em 2015, a agenda é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a serem implementados pelos governos, em especial pelos municípios.

Cada Objetivo é acompanhado por suas metas que somam 169 no total (https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/). A agenda tem, entre suas finalidades, equilibrar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade e a justiça social, através de uma governança baseada na transparência e participação democrática. Cabe aos municípios se organizarem e adaptarem suas políticas públicas e projetos de maneira a se enquadrarem nos Objetivos e suas metas.

Por que o ano de 2030? No começo do Século XX, John Maynard Keynes, economista britânico, apresenta uma série de ideias que visavam a recuperação da economia mundial que sofria por conta da crise de 1929 (EUA). A partir da política econômica apresentada por ele, Keynes fez a seguinte previsão: “a humanidade, dali a 100 anos, iria enfrentar seu problema permanente: como usar a liberdade de preocupações econômicas prementes, como ocupar o lazer que a ciência e os ganhos econômicos lhe trariam para viver bem, sábia e agradavelmente? 
Nos basta um pouco de fosfato no cérebro, para chegarmos à conclusão de que se não louco, suas ideias foram ignoradas ou aplicadas em partes, em especial no pós Segunda Guerra. Porém, ainda no final dos anos 60 e início de 70, o mundo caiu na graça do neoliberalismo e as ideias de Keynes foram abandonadas e o mundo é o que é hoje. O oposto às previsões de Keynes. Por isso o simbolismo do ano 2030, o ano que estaríamos preocupados em como gastar nosso dinheiro e aproveitar o tempo livre em consequência dos avanços da Ciência e da Tecnologia. Curiosamente, a Ciência e Tecnologia avançou o suficiente para nos permitir tempo e saúde para aproveitar a nossa vida com mais tranquilidade.

O que aconteceu, uma vez que temos mais intranquilidades que tranquilidades?

A resposta está no uso que o homem dá aos avanços tecnológicos. A sede por lucro e acumulação de bens, acaba por transformar os avanços tecnológicos em inimigo do bem estar e do viver. Alguns poucos encastelados, a partir do uso privado das forças armadas dos EUA, nos impõem o desemprego e a fome.
Há braços
Sérgio Mesquita

Secretário de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá-RJ

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O pensamento vivo de Ernesto Guevara, o Che

Ricardo Costa Gonçalves­*


Há cinquenta anos, em 08 de outubro de 1967, o exército boliviano, com ajuda do governo norte-americano e da CIA, capturou Ernesto Guevara de La Serna, o Che, nas selvas deste país, no dia seguinte, às 13h 10, um ranger boliviano, sob as ordens dos Estados Unidos, o executou a sangue frio. Além de sua firmeza de princípios e exemplo de combatente, Che Guevara deixou um acervo de contribuições para o debate político, ideológico e teórico que vão além do foco guerrilheiro. O objetivo desse texto é apresentar, nesse aludido 50 anos da morte de Che, alguns desses aportes de Ernesto Guevara de La Serna.
Naquele momento, morria um dos maiores inimigos dos “velhos e novos colonialismos”, junto com Fidel e Raúl Castro, Camilo Cienfuegos, Célia Sanchez e outros guerrilheiros cubanos comandou a revolução Cubana. Quando seu algoz entrou na sala onde ele foi aprisionado, Che se levantou, olhou nos olhos do seu assassino e disse: “atire, covarde, que você vai matar um homem”. Essa atitude digna diante da morte não foi diferente de como ele viveu sua vida.
Che enxergou de perto o regime de exploração imposto aos latino-americanos por companhias estrangeiras apoiadas na cumplicidade de governos locais. Nas rotas traçadas por Che pelo continente latino-americano, é importante destacar a sua passagem pelo Peru. É neste país andino que Che teve contato com a obra de José Carlos Mariategui que exerceria influencia considerável na sua compreensão acerca da trajetória e da realidade da América Latina.
A partir do diálogo com o marxista peruando Ernesto Guevara passou a entender a presença do latifúndio como marca característica das sociedades latino-americanas, resultado da herança colonial. Compreendia a grande propriedade rural como “la base del poder económico que sucedió a la gran revolución libertadora del anticolonialismo del sigo passo” (CHE GUEVARA, 1961, p. 407). Também esteve na Guatemala em 1954, quando uma operação organizada pelos EUA derrubou o governo popular e democrático de Jacobo Arbenz. Depois foi para o México, onde teve contatos com os revolucionários cubanos.
Em Cuba ele foi o primeiro revolucionário a ser promovido a comandante. Foi o líder da tomada de Santa Clara, depois de uma dura batalha de três dias contra o exército regular da ditadura de Batista, vitória que levou à queda do regime. O seu livro a Guerra de Guerrilhas é uma doutrina militar e revolucionária forjada no calor dos combates, como tudo o que ele escreveu.
Ernesto Guevara sempre procurou unir teoria e prática. Foi assim como médico, chefe militar, dirigente partidário, representante de Cuba em dezenas de missões diplomáticas, presidente do Banco Nacional, do Instituto de Reforma Agrária e ministro da Indústria. Segundo ele, a teoria só cresceria em constante confronto dialético com a realidade do mundo. Diversas vezes ele se posicionou contra o dogmatismo e o sectarismo, polemizando inclusive dentro do partido Comunista cubano. Como Lênin, Che entendia a teoria como um guia para a ação, não como um manual de instruções.
Che desde jovem se dedicou a leitura. Leu desde os filósofos gregos a Confúcio, de Tomás de Aquino à filosofia política inglesa e francesa, de Jules Verne e H. G. Wells a Pablo Neruda. Ele leu com atenção “A Crítica da Razão Pura”, de Kant, e “O Crepúsculo dos Ídolos”, de Nietzche, leu ainda as obras de Freud, Bertrand Russel, dentre outros. E, também, leu com bastante interesse a tradição marxista e revolucionária. Ele insistia no estudo, sempre integrado à vida, como uma das tarefas dos revolucionários. Mesmo na selva boliviana, quando o isolamento da guerrilha o colocou em situações muito difíceis, Gueavara levava consigo uma pesada mochila cheia de livros.
Posteriormente a tomada do poder, quando entendeu que a revolução estava se consolidando, ele renunciou a todos os postos no estado cubano e foi para o Congo colaborar na luta de libertação. Pois, Che achava ser necessário difundir a resistência anti-imperialista por todos os continentes subjugados a regimes coloniais ou neocoloniais, abrindo diversas frentes de luta. Segundo ele, solidariedade não é algo que se preste com declarações de apoio, mas com atos: seu internacionalismo era consequente. Com o mesmo espírito e coerência inabalável, ele foi para a Bolívia organizar o que, segundo o plano traçado, deveria ter sido o núcleo de um exército de libertação que se irradiaria por toda a América do Sul.
Todo seu caminho foi alicerçado por uma profunda ética revolucionária e humanista. Diferente do que costuma acontecer, Che praticou com austeridade o que pregava. Todos os ensinamentos que deu aos jovens comunistas, em célebre discurso, ele próprio seguiu: manter um elevado senso de honra e dignidade, assumir as responsabilidades ante os demais, revoltar-se contra qualquer injustiça, consolidar um espírito cotidiano de sacrifício e fazer a guerra aberta contra os formalismos que engessam os processos de transformação. Ele dizia que o revolucionário deve ser um exemplo vivo. Por isso, a teoria de um comunista é, de acordo com o Che, indissociável de uma prática de vida coerente.
Por tudo isso, o Ernesto Guevara de La Serna, - homem digno, ético, latino-americanista, anti-imperialista, profundamente movido por um senso de justiça que levou consigo até as últimas consequências - não morreu em La Higuera. Seus inimigos de classe, que ainda o temem, tentaram domesticar sua memória, torná-lo um produto publicitário vazio de sentido, agredi-lo com infâmias. Mesmo assim, Che vive e continua nos ensinando. Ele transformou-se em símbolo de rebeldia, exemplo de valores e princípios verdadeiramente revolucionário.
Aos cinquenta anos de sua imortalidade, a melhor homenagem que podemos lhe prestar é seguir o seu exemplo quando vivo. Na verdade, essa é a única homenagem que ele consideraria sincera e coerente.


* Professor e Mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Um tributo à vida que virá


Inicio essa viagem pelos caminhos da vida e pelo ato de viver, com Clarice Lispector: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Clarice bela. Define a vida como uma verdadeira aventura. 

Não restam dúvidas de que a vida representa o bem maior. O grande presente. Tão grandiosa e divina que precisaríamos a vida toda para tentar expressar tamanha gratidão em recebê-la.

Você já se imaginou definindo a vida além dos clássicos? Que tal essa breve definição: “Vida é um bem de tempo limitado concedido, para que você simplesmente exista”. Em seu tempo, cada ser desfruta do tempo que a vida vai lhe concedendo. Algo tão aleatório e tão indefinido que nenhum cálculo científico foi capaz ainda de definir com exatidão o tempo que cada um e cada uma dispõem para viver, ou ainda de inventar a vida com todo seu esplendor.

Uma das contrações da própria vida vem do fato de que enquanto a maioria dos seres humanos vive com seus limites diários e frequentes, com suas lutas cotidianas contra as injustiças e todas suas mazelas cometidas por outros humanos, uma pequena parte de humanos se considera imortal. Porém, o que assusta, mas conforta é saber que ambos os setores humanos se encontrarão quando a vida cessar e for substituída pela democrática morte que surge para igualar os seres, independente do foram enquanto vida.

Porque tocar num assunto tão complexo como esse num post para um blog de conteúdo político-humanista? Pelo simples fato de acreditar nos sonhos futuros e na vida que ainda virá. Além disso, tudo é possível, e acreditar é o ponto de partida do que poderá ser.

Em termos gerais o momento não e bom. Vivemos tempos de escuridão. Um cenário que nos faz questionar: O que será do amanhã? O que virá a seguir? O que a vida exigirá de cada um e uma de nós para voltarmos ao normal?

E de repente uma estranha incerteza nos toma corpo e alma. Do ponto de vista da causa, até parece que dormimos em berço esplêndido por algum tempo, sonhamos com oásis brotando em pleno deserto e acordamos em meio a um grande pesadelo. É como se o universo tivesse sido invadido por estranhos seres, que insistem em dizimar o que outrora se chamava de vida e que conspira contra o restante da humanidade. O que nos move em direção contrária? A esperança, a certeza da vitória e a disposição de lutar.

Em termos de vida somos seres imperfeitos, incompletos, porém sonhadores. Chega de buscar a perfeição. Busquemos a energia que está em cada um de nós, para juntos construirmos uma nova sociedade, onde a vida e o ato de viver sejam pontos de partida e de chegada para um novo amanhã.  

Vida é luz e é dimensão e viver é contemplar alegria e tristeza se fundirem num processo de catarse e resistência. Vida é simplesmente ousar viver.

A expressão da vida pode estar num olhar. Num gesto. No ato de sair do individual para o coletivo e principalmente na decisão de fazer. Enquanto isso a divindade da vida ocorre no momento em que descobrimos que a vida segue, estamos vivos e ainda dispostos a aprender, crescer e mudar.

Já dizia Drummond: “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade”.

Que a felicidade seja o ato permanente de valorizar cada sopro que a vida dá e que nos fornece energia suficiente para acreditarmos que o melhor ainda está por vir.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública Social
tonicordeiro1608@gmail.com