Conta uma
lenda que um menino perguntou a um sábio: o que é saudade? Ele sentou e olhando
para o menino calmamente explicou: “Meu filho saudade é a expressão do
nosso ser, que se materializa em nossa mente, em resposta ao que vivemos e
gostaríamos de reviver”. Uma resposta de pura reflexão.
Hoje, me
lembrando disso me atrevi a falar de saudade, considerada a sétima palavra mais
difícil de traduzir. Um sentimento tão complexo, que pode ser ao mesmo tempo
choros, risos, angústias, mas também possibilidades de caminhos refeitos. É
certo que em alguns casos, a saudade devia ficar era quietinha lá no passado,
como afirma Mário Quintana: “O passado não reconhece seu lugar: está
sempre presente...”, como quem diz: fica aí onde está e não amola!
Quem não
tem uma saudade guardada levante à mão? Quem não tem uma saudade que mereça ser
lembrada? Que saudade nos leva ao riso e ao choro?
Enfim,
infinitas possibilidades e formas de expressar a saudade. Saudade do que houve
e saudade incômoda do porque que não houve...
Vou
procurar nesse post falar de saudade como nostalgia e não como melancolia,
aproveitando o pensamento de Heitor Cony, que afirmava: “Nostalgia é
saudade do que vivi e melancolia é saudade do que não vivi”.
Bob
Marley disse certa vez que saudade é um sentimento que quando não cabe no
coração escorre pelos olhos. No meu entendimento os olhos expressam o que o
coração transborda. Os mesmo olhos que reagem com lágrimas a uma lembrança
triste pela perda, podem brilhar quando a mente leva a uma saudade prazerosa.
Uma dualidade que vai moldando nossa parte emocional, que vai enfrentando o
debate entre a razão e a emoção.
Diria até
que saudade é como erva daninha, que quando se da conta vai se alastrando pelo
jardim afora. Para isso temos que nos precaver de forma permanente para que a
saudade não nos faça apenas presos ao passado e esqueçamos que a vida tem que
ser vivida a partir do presente, mas com foco no futuro. Ou seja, aproveitar o
passado, viver o presente e focar no futuro.
Nas
viagens de nossas inquietações, Drummont alertava para a saudade inexistente,
aquela que nunca ocorreu na prática, pelo menos na dimensão do que se
imaginava. Dizia ele: “Também temos saudade do que não existiu, e dói
bastante”. Algo que deve ser mais inquietante
ainda. Fernando Pessoa também fez referência à mesma coisa: “Não há
saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram”. É como se
fosse uma espécie de fantasia, que ora gera um vazio e ora angustia. Nem quero
pensar!
Do ponto
de vista da nossa existência saudade vem para preencher um vazio, para nos
lembrar de que um ciclo foi interrompido, que algo que era bom poderá não mais
acontecer. O poeta Peninha dizia que saudade é melhor do que caminhar
vazio, como se para ele a saudade, mesmo incômoda, fosse uma espécie de
alimento que acaba preenchendo o vazio das nossas imaginações.
Já que a
coisa parece inevitável, porque não leva-la às escolas como parte integrante de
historia, pois saudade é vida que se viveu. É sentimento acumulado, mas,
sobretudo é parte fundamental da história de cada ser humano. Uma possibilidade
de trabalhar com as crianças reforçando seus valores humanísticos e de
convivência que serão lembrados no futuro e também trabalhar com elas como
lidar com a saudade de suas perdas.
Tenho
gostosas lembranças da minha infância num sítio em Belo Jardim, Pernambuco: os
banhos de rio que nem ele existe mais, dos momentos de sol e chuva, uma mistura
perfeita que exalava o cheiro da terra molhada e após a chuva a relva que
nascia preguiçosa nos roçados e se deparava com centenas de passarinhos a se
deliciar e do carrossel no distrito de Serra do Vento. Nem imaginava que o
carrossel seria uma figura fundamental na minha vida profissional, após a
conversa com Paulo Freire em 1989. Era bom e eu nem sabia.
Clarice
Lispector falando de si nos alerta para algo importante, o cuidado para que não
nos percamos de nós mesmos e isso vir a provocar uma saudade do que éramos e de
quem poderíamos ter sido, ou ainda um medo do que poderemos ser. Disse ela: “Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida,
atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde estou eu?
Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim - enfim, mas que medo -
de mim mesma”.
Seja como
for, saudade é, foi e será uma parte fundamental das nossas vidas e existe para
nos lembrar que estivemos e estamos com o coração batendo provando que viver
vale a pena e prontos ou não para vivermos outros momentos que nos gerem muitas
saudades futuras. Saudade é antes de tudo um hiato entre o que foi e o que é na
atualidade.
Como bem
disso Vinicius de Morais: “Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas
fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e
momentos que compartilhamos...”
Eu por
exemplo nesse momento, estou com saudade de um doce de leite de cabra que a
minha vó Isabel fazia em seu fogão de lenha, sempre para agradar os netos e
vinha na rede me chamar para que eu pudesse comer ainda quente. Como foi tão
bom vó!
Antonio Lopes Cordeiro
Estatístico e Pesquisador em Gestão Pública e Social