Ricardo Costa Gonçalves[1]
A
erradicação do analfabetismo é a primeira das dez diretrizes estabelecidas no
Plano Nacional de Educação (PNE), no qual duas metas tentam atacar diretamente
este problema. Presente em planos anteriores, o objetivo de combater o
analfabetismo no país se desenvolve a passos lentos, com redução muito pequena
nos índices a cada ano. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Amostra de
Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 2009, o Brasil possui ainda 14, 1 milhões de analfabetos
e mais de 20% da população é considerada analfabeta funcional. Questões como a
formação de educadores, as estratégias para manter adultos nos programas de
alfabetização e o próprio conceito de analfabetismo estão presente na discussão
sobre como evitar que a meta tenha que ser prolongada para o decênio seguinte.
No
PNE, a meta número 5 (cinco) prevê a alfabetização de todas as crianças até, no
máximo, o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental. A estratégia
apresentada para consecução desta meta é ampliação do ensino fundamental para
nove anos, já implementada em todo país. Segundo o texto do PNE, o objetivo é
garantir a alfabetização plena de todas as crianças, no máximo, até ao final do
terceiro ano, como recomendado pela Conferência Nacional de Educação (CONAE).
Atualmente, as crianças de seis anos devem estar matriculadas no 1º
ano, encerrando aos oito anos o chamado ciclo de alfabetização, de forma que o
último ano da pré-escola configura agora o primeiro ano do ensino fundamental.
No entanto, esta estratégia ainda parte da ideia de que aumentar o tempo
dedicado à alfabetização é a solução para o problema do fracasso escolar.
Medidas como esta já foram adotadas anteriormente, sem dar resultados
expressivos.
Outra
estratégia assinalada para atingir a meta 5 (cinco) é aplicação de exames para
avaliação alfabetização de crianças. Em 2008, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) aplicou a primeira Provinha Brasil, cujo objetivo
é avaliar a alfabetização de crianças matriculadas no segundo ano de
escolarização das escolas públicas do país. Os resultados da Provinha é de uso
privativo dos professores e gestores das escolas, que interpretam os resultados
a partir de orientações contidas no material distribuído pelo Ministério da
Educação (MEC) às escolas.
Outra
meta é a número 9 (nove) que propõe elevar a taxa de escolarização da população
com 15 anos ou mais para 93, 5% até 2015 e erradicar até 2020, o analfabetismo
absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Esta meta tem
relação com o compromisso firmado no Fórum Mundial de Educação em Dakar, em
2000, mas enfrenta um imenso desafio: a evasão de adultos dos programas de
alfabetização.
Em
2003, o governo federal institui o Programa Brasil alfabetizado (PAB). Este
programa é voltado para a educação de jovens e adultos (EJA), através de apoio
a estudantes e aos professores da rede pública. Conforme dados da página do
programa na internet, relativos a 2010, mais de um milhão e meio de pessoas estão
sendo alfabetizadas por meio do PBA. No entanto, os resultados ainda estão
distante do esperado. Entre 2000 e 2010, a taxa de analfabetismo entre a
população a partir de 15 anos caiu de 13,63% para 9,63%, segundo IBGE.
Em
relação ao analfabetismo funcional, os dados coletados pelo IBGE seguem as
recomendações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), que considera analfabetismo funcional aquele que teve menos
de quatro anos de estudos completos. A partir desse critério, é possível
afirmar que mais de 20% da população é analfabeta funcional. Contudo os números
não refletem a realidade da população brasileira quando se fala em habilidades
de leitura e escrita e no conceito de letramento, ou seja, o uso social dessas
habilidades.
Outra
questão é em relação ao conceito de analfabetismo. A própria diretriz indicada
pelo plano pode ser considera inadequada. A diretriz parte da visão errônea de
que o analfabetismo é uma doença, um câncer, uma peste que precisa ser
erradicada, curada de forma radical. A grafia erradicação só serve para situar
o analfabetismo na ordem do biológico, do psicológico, do individual,
escondendo a sua natureza social, ou seja, que é resultado das desigualdades e
dos processos de marginalização social que sustentam o desenvolvimento das
sociedades capitalistas. A diretriz deveria ser alterada para universalização
da alfabetização.
Embora
as metas estabelecidas no PNE sejam consideradas difíceis de atingir, alcançá-las
pode não significar o avanço que se espera na educação brasileira. Portanto,
precisamos refletir sobre “que tipo de educação estamos buscando”? Apenas de
números ou realmente uma educação que busque o desenvolvimento pleno, crítico,
cidadão desse sujeito? Logo, a questão do analfabetismo é uma questão de
justiça social, portanto, exige uma atuação conjunta que leve em consideração
as condições estruturais de exclusão política, socioeconômica, pedagógica e
cultural.
A
importância da alfabetização, como se pode inferir não só dos PNEs elaborados
até o momento atual, mas da própria constituição brasileira, das discussões nas
diversas instâncias da educação no país, governamentais ou não, é questão
unânime, porem repleta de incongruência. Portanto, não basta afirmar que a
alfabetização e a escolarização constituem objetivos prioritários. É necessário
muito mais que isso. Há que traduzir tal discurso em fatos concretos: em
dotação orçamentária adequada, em prédios escolares que mereçam o nome de
escolas, com a devida infraestrutura e equipamentos; em docentes em número
suficiente, qualificados e devidamente remunerados.
[1]
Professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão, Mestrando em
Estado e Políticas Públicas pela FLACSO/FPA