Certa
vez numa das raras conversas que tive com o grande Paulo Freire, na organização
do I Congresso Brasileiro de Alfabetização realizado em São Paulo, quando ele
era Secretário de Educação do Governo Erundina e eu participava do GETA – Grupo
Estadual de Trabalho em Alfabetização de Adultos e era coordenador de um grupo
de mutirão habitacional, perguntei a ele como conduzir aquela entidade de forma
apropriada, onde todos se sentissem seguros e comprometidos com o trabalho.
A
entidade era a Associação de Construção Comunitária por Mutirão Novo Horizonte
em São Bernardo do Campo, onde junto com mais 199
famílias de sem tetos sonhávamos com o direito de ter uma casa própria, num
momento onde isso parecia praticamente impossível.
A
resposta dele foi surpreendente, pois me respondeu com uma metáfora.
Disse-me ele, após ouvir o relato de como eram as famílias, de onde vieram, a
falta de apoio e de políticas públicas dos governos nacional, estadual e
municipal e a inquietação daquela comunidade querendo casa e achando que estava
sendo usada: “Conduzir uma entidade como essa é como cuidar de um carrossel.
Sabe aqueles banquinhos do carrossel, não giram harmoniosamente em volta de um
eixo que os seguram e dar ritmo? Quando vocês encontrarem o eixo central do
trabalho de vocês, também encontrarão respostas para as principais perguntas e
tudo irá caminhar de forma natural”. Disse ainda: “O ritmo do trabalho de vocês
será determinado pela forma que vocês o conduzirem. Quanto mais gente
comprometida no processo, mais forte será o eixo central, como se fossem
aqueles banquinhos”.
Voltei
intrigado com a necessidade de decifrar o enigma proposto por ele. A primeira
atitude foi fazermos um seminário em busca de soluções, com a participação dos
dez grupos de trabalho que já havia na entidade, que eram os tais banquinhos. Um dos grupos foi decisivo e apresentou
uma proposta que a nosso ver contemplava o que estávamos procurando. Os membros
do grupo chegaram à conclusão de que mutirão era o ato de sair do individual para o
coletivo. Algo tão amplo e tão simples ao mesmo tempo, que parecia óbvio,
mas não era. Estava ali o desafio da integração e da interação dos membros da
entidade.
Na
verdade, Paulo Freire queria nos passar a ideia de que quando se governa ou se
conduz um projeto coletivo, ou todos os membros que fazem parte do trabalho estão
alinhados em busca de um resultado comum, ou não haverá um resultado para todos
e sim apenas para alguns.
Cientificamente
falando, essa resposta de Paulo Freire está expressa no formato de um
organograma celular, onde o único objetivo estratégico é fazer com que o
projeto central, ou seja, o que move a organização ou o trabalho tenha sucesso. Só entendemos isso de fato, ao levar a ele a resposta e ele comentar sobre a essência central do trabalho.
Nessa
forma de gestão, de nada adianta um setor se desenvolver se não contribuir para
o resultado comum integrado. Assim, cada vez que um setor se individualiza, coloca em
risco o objetivo final coletivo.
Numa
prefeitura, por exemplo, cada vez que um secretário transforma seu setor numa
“caixinha de poder”, estará prejudicando o Plano Estratégico de Governo, sem
contar que estará desrespeitando o direito de participação e de controle social
por parte da população.
É importante
salientar que se torna impossível fazer um trabalho girar como o carrossel que
Paulo Freire propôs se não houver integração de governo, planejamento e
principalmente sistematização das tarefas cotidianas. Tudo vira urgência quando
as ações não são planejadas e a população continua a se decepcionar por não
fazer parte do texto ou ainda do contexto de processo de governança.
Nessa
minha caminhada com os cursos de gestão pública pelo país afora, me deparei com
prefeitos e prefeitas que governam de forma tão simples e participativa, que
até parecem que já governam a diversos mandatos, enquanto outros e outras governam para si.
Na
minha perspectiva, governar é isso, basta que os governantes tenham um bom Plano
de Governo gerado e mantido de forma participativa, uma equipe comprometida com
essa forma de governar e principalmente vontade política de enxergar o ato de
governar, não como um fim em si mesmo, mas como um meio efeito para as mudanças
necessárias na sociedade, em busca de uma sociedade justa, fraterna e igual
para todos e todas.
Imagino que Paulo Freire
queria ainda nos passar a visão de que não podemos revolucionar a sociedade
como um todo, ou nem mesmo o espaço onde estamos governando, mas é bem possível
reinventar e revolucionar a várias mãos o nosso micro espaço de poder.
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com
Pesquisador em Gestão Pública e Social
tonicordeiro1608@gmail.com
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