Ricelle Miranda - Cartunista - Brasília - DF
A
escolha desse tema aconteceu após eu sonhar, caminhando distraído
por entre flores num longo campo de todos os tons e logo à frente
uma densa floresta, me convidando para entrar. Acordei tentando
entender que mensagens um sonho desse teria a me dar.
Uma
cena que me levou de volta ao passado e me fez recordar de alguns
medos que eu tinha ao adentrar numa mata que havia bem perto da minha
casa. Entre eles, o de tocar sem querer num pé de urtiga, me ferir
de forma desavisada no caminho num pé de jurema ou ainda que um
pingo de leite de avelóz atingisse a minha vista. Coisas de criança
que só descobriu o significado daquela parte da vida, depois de
viver com o que veio a seguir. Descobri ao longo do tempo que éramos
felizes e nem sabíamos.
Morávamos
num sítio da família, com o privilégio de ter todos os dias um
café torrado e moído na hora, feito com muito amor e quitutes da Vó
Isabel. Uma corajosa velhinha, muito pequenina, mas de uma valentia
sem igual, pois em plena década de sessenta teve a coragem de
separar do meu avô, quando foi ameaçada de agressão física e
nunca mais voltou para a sua casa e passou a morar conosco. Eu me
lembro que dormia numa rede e acordava todos os dias, ou com seu
chamado insistente ou com o delicioso cheiro de café que ela acabara
de fazer. Era assim que começava todos os nossos dias.
Voltar
ao passado em momentos felizes, para buscar disposição para os
enfrentamentos necessários na construção de um novo amanhã, num
país dividido entre quem sonha e quem tem pesadelos ou ainda quem é
capaz de cultivar uma flor em plena guerra e quem a destrói apenas
pelo prazer de matar. Esse é o momento atual que vivemos.
Vivemos
numa época de permanentes dias nublados, de plena escuridão em
telas sem cores e de um silêncio ensurdecedor que nos atinge nos
momentos de solidão. Coisas que juntas geram um clima de abandono e
impotência com a própria vida. Exatamente como eu e milhares de
pessoas estamos nos sentindo nesse arremedo de país chamado Brasil.
Falido, tomado, sequestrado e invadido por um grupo de justiceiros
que resolveram punir tudo que se conquistou em mais de cem anos de
lutas e para enfrentá-los, só a união de mãos dadas com as
pessoas de bem, muita capacitação e a organização popular, pois
nem de justiça dispomos mais.
Para
aliviar nossas essências que andam meio desoladas e reprimidas, só
sentindo o perfume das flores e caminhando por um jardim imaginário,
até a primavera chegar, rumo ao Jardim do Eden. Quem sabe em busca
de nossas origens mais primitivas, como se fosse um reencontro com a
verdadeira essência humana, onde tudo que desejamos fosse feito
apenas por amor e não por mero prazer ou por qualquer conveniência
que fosse.
Quando
a primavera chegar trará com ela a beleza e o segredo de cada flor,
contando de forma sutil a história de cada uma delas e a certeza da
esperança de colorir parte do mundo que se encontra sem cor, assim
como um brilho natural ao que anda um tanto sem vida. Uma verdadeira
revolução silenciosa na natureza, onde cores e perfumes se fundem
num cenário propício para uma nova jornada convidando-nos a viver.
Um novo cenário com os sonhos e fantasias que ocupam mentes e
corações de quem ama a vida.
Algo
que nos lembra o prazer de brincar de pipas em dias ensolarados sem
ventanias, tomar um banho de cachoeira só para sentir o frescor da
água gelada em nossos corpos ou quem sabe degustar pipoca quentinha
assistindo em boa companhia bons filmes numa noite de luar e um céu
estrelado para completar um momento de felicidade.
A
luta diária se confunde com a própria vida. A vida se mistura entre
sonhos e fantasias e entre elas o acaso ou destino vai compondo uma
canção de ninar para quem ainda acredita na arte de amar e o amor
que mesmo de forma escassa vai desafiando os amantes do prazer sem
compromissos e os convidando para fazer a vida valer a pena.
Para
quem observa a primavera como uma metáfora a ser vivida, existem
duas formas de apreciação. Uma dela a partir de um bem cuidado
jardim, onde tudo faça sentido, mas que é um privilégio pára
apenas um setor da sociedade, e a outra um convite para apreciarmos
uma única flor que nasceu de forma desavisada num cantinho de terra,
num canto qualquer, mas de beleza igual as todas as outras nascidas e
cuidados nos melhores jardins. Um convite para quem tiver
sensibilidade para apreciá-la e quem sabe cuidar dela sem a arrancar
do pé, até seus últimos dias de vida.
Viver
bem é bom em todas as épocas. Sonhar é uma virtude, mas acordar
com o pensamento numa determinada flor é o maior presente que a
primavera possa nos dar.
Era
tão mais fácil se eu fosse um poeta, pois assim teceria essa
conversa em forma de poesia, mas como não sou vou terminar esse
post recorrendo à primavera e contando as flores que encontrar no
caminho para o amanhã.
Que
as flores que plantamos ontem e cuidamos com carinho hoje, possam nos
dar flores suficientes para nos inspirar a convencer todos aqueles e
aquelas que ainda sonham com uma nova sociedade, sem opressores nem
oprimidos e sim uma sociedade de iguais, a caminharem conosco para além
das nossas imaginações e fazer o que tem que ser feito.
Antonio
Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico
e Pesquisador em Gestão Social
Dias nublados dias escuros, aliás, bem escuros sim por conta das queimadas criminosas (rs). Mas a esperança no futuro melhor é uma obrigação de todos nós humanos, militantes e conscientes de nossa função social. Sonhemos juntos para que nosso sonho, um dia se torne realidade. Parabéns meu irmão, por mais um texto que nos faz pensar e refletir.
ResponderExcluirOLá Grande Mano
ResponderExcluirObrigado pela leitura e comentário.
De fato épreciso muita coragem para continuar lutando e acreditando ser possível construir um novo amanmha~. Isso é que nos move.
Grande Abraço
RECORDAR é viver. Precisamos desses momentos que transcendem as coisas nefastas da terra, para ganharmos forças extra cósmicas. Certamente, ao acordar, estaremos maus fortes. Belo texto.
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