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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Quando a primavera chegar…

Ricelle Miranda - Cartunista - Brasília - DF

A escolha desse tema aconteceu após eu sonhar, caminhando distraído por entre flores num longo campo de todos os tons e logo à frente uma densa floresta, me convidando para entrar. Acordei tentando entender que mensagens um sonho desse teria a me dar.

Uma cena que me levou de volta ao passado e me fez recordar de alguns medos que eu tinha ao adentrar numa mata que havia bem perto da minha casa. Entre eles, o de tocar sem querer num pé de urtiga, me ferir de forma desavisada no caminho num pé de jurema ou ainda que um pingo de leite de avelóz atingisse a minha vista. Coisas de criança que só descobriu o significado daquela parte da vida, depois de viver com o que veio a seguir. Descobri ao longo do tempo que éramos felizes e nem sabíamos.

Morávamos num sítio da família, com o privilégio de ter todos os dias um café torrado e moído na hora, feito com muito amor e quitutes da Vó Isabel. Uma corajosa velhinha, muito pequenina, mas de uma valentia sem igual, pois em plena década de sessenta teve a coragem de separar do meu avô, quando foi ameaçada de agressão física e nunca mais voltou para a sua casa e passou a morar conosco. Eu me lembro que dormia numa rede e acordava todos os dias, ou com seu chamado insistente ou com o delicioso cheiro de café que ela acabara de fazer. Era assim que começava todos os nossos dias.

Voltar ao passado em momentos felizes, para buscar disposição para os enfrentamentos necessários na construção de um novo amanhã, num país dividido entre quem sonha e quem tem pesadelos ou ainda quem é capaz de cultivar uma flor em plena guerra e quem a destrói apenas pelo prazer de matar. Esse é o momento atual que vivemos.

Vivemos numa época de permanentes dias nublados, de plena escuridão em telas sem cores e de um silêncio ensurdecedor que nos atinge nos momentos de solidão. Coisas que juntas geram um clima de abandono e impotência com a própria vida. Exatamente como eu e milhares de pessoas estamos nos sentindo nesse arremedo de país chamado Brasil. Falido, tomado, sequestrado e invadido por um grupo de justiceiros que resolveram punir tudo que se conquistou em mais de cem anos de lutas e para enfrentá-los, só a união de mãos dadas com as pessoas de bem, muita capacitação e a organização popular, pois nem de justiça dispomos mais.

Para aliviar nossas essências que andam meio desoladas e reprimidas, só sentindo o perfume das flores e caminhando por um jardim imaginário, até a primavera chegar, rumo ao Jardim do Eden. Quem sabe em busca de nossas origens mais primitivas, como se fosse um reencontro com a verdadeira essência humana, onde tudo que desejamos fosse feito apenas por amor e não por mero prazer ou por qualquer conveniência que fosse.

Quando a primavera chegar trará com ela a beleza e o segredo de cada flor, contando de forma sutil a história de cada uma delas e a certeza da esperança de colorir parte do mundo que se encontra sem cor, assim como um brilho natural ao que anda um tanto sem vida. Uma verdadeira revolução silenciosa na natureza, onde cores e perfumes se fundem num cenário propício para uma nova jornada convidando-nos a viver. Um novo cenário com os sonhos e fantasias que ocupam mentes e corações de quem ama a vida.

Algo que nos lembra o prazer de brincar de pipas em dias ensolarados sem ventanias, tomar um banho de cachoeira só para sentir o frescor da água gelada em nossos corpos ou quem sabe degustar pipoca quentinha assistindo em boa companhia bons filmes numa noite de luar e um céu estrelado para completar um momento de felicidade.

A luta diária se confunde com a própria vida. A vida se mistura entre sonhos e fantasias e entre elas o acaso ou destino vai compondo uma canção de ninar para quem ainda acredita na arte de amar e o amor que mesmo de forma escassa vai desafiando os amantes do prazer sem compromissos e os convidando para fazer a vida valer a pena.

Para quem observa a primavera como uma metáfora a ser vivida, existem duas formas de apreciação. Uma dela a partir de um bem cuidado jardim, onde tudo faça sentido, mas que é um privilégio pára apenas um setor da sociedade, e a outra um convite para apreciarmos uma única flor que nasceu de forma desavisada num cantinho de terra, num canto qualquer, mas de beleza igual as todas as outras nascidas e cuidados nos melhores jardins. Um convite para quem tiver sensibilidade para apreciá-la e quem sabe cuidar dela sem a arrancar do pé, até seus últimos dias de vida.

Viver bem é bom em todas as épocas. Sonhar é uma virtude, mas acordar com o pensamento numa determinada flor é o maior presente que a primavera possa nos dar.

Era tão mais fácil se eu fosse um poeta, pois assim teceria essa conversa em forma de poesia, mas como não sou vou terminar esse post recorrendo à primavera e contando as flores que encontrar no caminho para o amanhã.

Que as flores que plantamos ontem e cuidamos com carinho hoje, possam nos dar flores suficientes para nos inspirar a convencer todos aqueles e aquelas que ainda sonham com uma nova sociedade, sem opressores nem oprimidos e sim uma sociedade de iguais, a caminharem conosco para além das nossas imaginações e fazer o que tem que ser feito.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Social


3 comentários:

  1. Dias nublados dias escuros, aliás, bem escuros sim por conta das queimadas criminosas (rs). Mas a esperança no futuro melhor é uma obrigação de todos nós humanos, militantes e conscientes de nossa função social. Sonhemos juntos para que nosso sonho, um dia se torne realidade. Parabéns meu irmão, por mais um texto que nos faz pensar e refletir.

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  2. OLá Grande Mano
    Obrigado pela leitura e comentário.
    De fato épreciso muita coragem para continuar lutando e acreditando ser possível construir um novo amanmha~. Isso é que nos move.
    Grande Abraço

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  3. RECORDAR é viver. Precisamos desses momentos que transcendem as coisas nefastas da terra, para ganharmos forças extra cósmicas. Certamente, ao acordar, estaremos maus fortes. Belo texto.

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