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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Que o vento leve o que não for leve...


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Quando me atrevo a escrever sobre a essência humana, me vem à memória o Samba da Benção de Vinícius de Moraes, que num dos versos diz: "Mas para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não". Nessa mesma linha, para se escrever um texto com pureza é preciso um bocado de sentimentos, misturados com uma certa inquietação, para que o que se escreva venha do coração.

Vivemos tempos pesados, com uma estranha apatia pela extrema maioria da população. Uns e umas por pura conivência com a atual situação e outra parte, como na música do Zé Geraldo, tudo isso acontecendo e eles e elas na praça dando milhos aos pombos. Faz-se necessário uma forte ventania que varra toda erva daninha que foi plantada, de propósito, em meio aos roçados que estavam em plena produção, quem sabe que por maldade, para que nem os pássaros possam se alimentar.

Ao me reportar ao vento penso em duas situações bem distintas. Primeiro que vento e tempestade estão intimamente ligados e toda tempestade nos deixa em tensão e de alerta e necessita de um lugar seguro até ela passar e segundo que vento me lembra também que necessitamos dele, sem ventanias, para que as pipas continuem no ar.

Minha relação com uma pipa sempre foi das melhores. Uma brincadeira leve do ato de viver. Um desafio constante para aprender a empiná-la e permanecê-la no ar. Algo que me remete ao passado com tantos momentos felizes e de pura distração. Pipar é um dos melhores momentos que uma pessoa possa viver. Pipar é o remédio para tantos aborrecimentos da vida. Ah se eu pudesse pipar exatamente agora...

Como não tem pipa agora, fecho os olhos e logo me imagino em pleno voo, como uma pipa, pelos ares dos meus pensamentos. Uma gostosa viagem de emoção e equilíbrio. Paro para tomar fôlego e conseguir ir muito mais além, que é o principal objetivo, sendo que de vez enquanto aparece um obstáculo intruso no caminho sem nenhum sinal e tenho que desviar em tempo, com todo cuidado para não cair de uma altura que eu não dê conta. Um momento de reflexão, onde metáfora e vida real se fundem num só pensamento e nas diversas possibilidades que a vida nos dá e nos remete a pensar.

Em voo, observo a cidade em movimento. Pessoas transitam de um lado para o outro sem se olharem ou se cumprimentarem. Sinto vontade de descer e de intervir naquela situação, mas observo que uma grande parte delas trava uma luta desenfreada individual por algum tipo de poder e quando consegue seu objetivo não sabe o que fazer com ele. Por outro lado muita gente unida e de mãos dadas em busca da terra prometida.

Ao descer, chego à conclusão que as tensões do dia a dia vem sem a gente esperar. Dias nublados com frio intenso na alma. Coisa que nem mesmo uma pilha de cobertores aqueceria. Algo que vem no vento e no vento mesmo será despachado. Vivemos tensões as vezes que não são nossas, mas nos afetam pela solidariedade e pela convivência.

Existe nas entrelinhas de cada análise que fazemos de alguém e em especial daquelas pessoas que não conhecemos ao todo, apenas o que elas permitem que enxerguemos, suas verdades expostas, histórias de vida e culturas desconhecidas. As vezes exercemos um julgamento, porém sem nem sonharmos o que possa habitar nos corações das pessoas em julgamento, pois coração é terra que ninguém anda, além da própria pessoa. 

Em resumo, a vida é um eterno aprendizado. Passamos por altos e baixos, a partir das nossas escolhas. Sofremos e vibramos as vezes calados por não ter com quem dividir nossas emoções e em cada análise mostramos o quanto somos afetados por nossa cultura machista, por nossos preconceitos, por nosso senso de liberdade equivocado, que as vezes existe apenas para justificar determinada situação e por nossa forma de ser, que achamos ser a mais politicamente correta do universo.

Esquecemos ao justificar nossas ações que somos seres em constante transformação, em processo de busca de identidade permanente e porque não dizer, seres inacabados. Ninguém é o que parece ser e sim o que de fato é. Isso nos remete a necessidade de diálogos permanentes, de interação e de busca do conhecimento do universo onde a pessoa habita. Quem somos de fato cada um de nós? Será que nós mesmo nos conhecemos?

E o que falar da felicidade? Particularmente trato o senso de felicidade, a partir de referenciais e não de forma individual e isolada, porque isso não existe. Minha felicidade existe porque o entorno onde habito como ser humano e tudo o que me envolve me leva a um estado de espírito que se traduz em momentos felizes. Algo, no meu caso, que nasce e se fortalece com a filosofia central de Ubuntu: “Sou porque somos”. Esse, no meu entendimento é a razão central da nossa existência e de qualquer relacionamento que se preze.

Nesse mesmo contexto estão os julgamentos que fazemos das pessoas, ou de determinada pessoa. Mesmo com toda capacidade política de entendimento da realidade social que nos cercam, quando julgamos alguém usamos esteriótipos do mundo capitalista e dos diversos desvios da sociedade. O ter versus o ser. O querer exemplificar por conquistas individuais ou julgar fazendo comparações com outras pessoas do mesmo sexo ou da mesma idade. Seja lá por que for, no meu entendimento não há julgamentos sem isenção.

A partir dessa leitura de vida a grande pergunta que fica é: o que fazer para sermos convincentes enquanto seres que amam, que sofrem e que se alimentam do prazer de ver as pessoas felizes com suas conquistas?

Creio que a resposta para essa e outras perguntas que necessitamos fazer, fica subentendido nas entrelinhas das canções que cantamos para quem queremos bem, nos gestos que acenarmos para a vida e no grau de sintonia que estabelecemos com quem queremos nos comunicar. Porém, uma coisa é certa, se não houver comunicação clara entre quem emite e quem recebe e vice-versa, não há relacionamentos, tampouco revolução.

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Social

2 comentários:

  1. Como sempre, um excelente texto...
    Abraço p ti

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  2. Seu texto me fez lembrar de meu pai. Mesmo eu sendo um menina ele me ensinou a empinar pipas. Ficava horas ao seu lado. Hoje faço questão de passar esta arte para minha filha. Isso me fez aprender a sonhar. Espero que o autor tenha tido a experiência de ensinar esta arte a seus filhos e ou sobrinhos. Obrigada por me fazer voltar no tempo.

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