Cheguei
ao mundo muito tarde o grande evento que aconteceu por volta das 18 horas. Já
eram quase 21 horas quando cheguei. Tudo já estava decidido e a festa já corria
solta. Muita gente que participou deste evento/reunião não se deu conta de que a
partir dali se concretizariam novos rumos para a estrutura da sociedade, mas
não sem promover tensões. Outras reuniões como esta já haviam acontecido mais
cedo, mas para nós, esta foi, sem dúvida, a mais importante e, embora a pauta
não estivesse tão bem definida, é a que pauta nossa vida até hoje. Bom, não
posso dizer por eles, mas imagino que os que tiveram à frente desta reunião não
tinham toda a clareza e nem estiveram muito preocupados em mensurar a proporção
que os desdobramentos tomariam e quão perniciosos poderiam ser.
Como
cheguei atrasado, o mínimo que posso fazer é tentar entender os caminhos que
decidiram tomar para assim, poder entender o que está acontecendo agora, poucas
horas depois. Não é tarefa fácil, pois além de ser necessário entender o que
aconteceu nas últimas horas, durante minha pequena permanência aqui, preciso
tentar vislumbrar o que vai acontecer antes do dia acabar e deixar, ainda que
um recado, para os que chegarão mais tarde, pois acredito que muitos chegarão
e, quando eles chegarem, talvez sejam mais habilidosos do que temos sido para
postergar o fim do dia.
Algum
filósofo há muito tempo, já sugeriu que sob o prisma da humanidade o nosso
tempo de vida é uma gota d'água no oceano e, de modo similar, sob o prisma da
idade da Terra nossa vida duram poucos minutos. O oceano é imenso, é profundo,
é raso, é escuro, é claro, é agitado, é tranquilo, é assustador e ao mesmo
tempo admirável. Mas, infelizmente nós, gotas d’água, talvez não tenhamos nos
conscientizado para o fato de que, querendo ser diferentes, nos destacar, não
querendo ficar tão ao fundo, seja individualmente, seja em grupos, podemos
comprometer a perenidade desta maravilha que é o oceano.
O
ser humano, entendido como o ser vivo dos seres vivos, aquele que está acima
dos demais animais por ser “racional”, tem sido muito mais irracional do que
imagina. Quem estava aqui às 18 horas não vive mais, e nós, atrasados ou não,
aqui chegamos. Preocupados com nossas tarefas, com nossos desejos, com nossos
próprios “nós”, parece que acabamos por nos esquecer de um precioso fato: não
basta reproduzir a espécie para reproduzir a vida.
Embora
não tenhamos estado aqui às 18 horas, recebemos um pacote dos que aqui estavam,
e notadamente parece ser difícil imaginar que este pacote possa ser
substituído, tão já, por algo novo. Pode ser que este grande evento tenha sido
não o melhor, mas o menos pior sistema já experimentado pelos seres humanos,
mas está muito longe de ser o ideal. Está ai, é o que temos, quando nascemos
ele já existia e quando morrermos, acredito eu, ele ainda estará ai, em pleno
vigor. Cuidado, não se trata de 'aceitar a vida como ela é'. A questão é que
este pacote nos tornou mais individualistas e menos livres ao no impor padrões,
além de ser intrinsecamente desigual e nem tão justo quanto dizem.
A
livre iniciativa, a liberdade de expressão, a democracia, a propriedade
privada, ganharam nossa simpatia e há motivos de sobra para justificarmos as razões
pelas quais. Mas esse quadro pintado esconde coisas por trás, e o nosso
'sucesso' ou 'bem-estar' não dependem somente da 'livre iniciativa'.
Acreditamos
na 'liberdade de expressão' mas nem sempre nos damos conta de que as
informações à que temos acesso carregam consigo boas doses de parcialidade.
Passamos a pensar que o voto é o ápice da nossa condição de cidadãos e não
refletimos sobre o modelo de 'democracia representativa', aliás, como boas
gotas d'água, preferimos nos recolher à nossa pequenez e acreditar que não há o
que fazer e assim contribuímos para a manutenção do status quo. Acreditamos que teremos tudo o quanto quisermos se
assim nos esforçarmos para tal, mas nem sempre entendemos porque queremos ter
tanto. Esforçamo-nos para ter 'a minha casa' e para encher 'a minha barriga' e
somos inclinados a pensar que a fome e a moradia precária se devem ao fato de
não estarem se esforçando o suficiente para terem o que precisam, atribuindo ao
indivíduo toda a responsabilidade pelo seu insucesso e perpetuando a falsa ideia
de que todos, sem exceção, 'competem' com as mesmas armas e, portanto em pé de
igualdade.
Por
estas e outras razões nos distraímos, e com pequenas coisas nos roubam os
minutos que temos, nos impedindo de olhar, refletir e compreender nossa
condição sob um prisma mais amplo, pois nossos minutos passam rápido demais
para nos preocuparmos com os minutos de 'todos os demais' e menos ainda com os
minutos dos que virão depois.
Esse
pacote que recebemos impõe um modo de vida, que há existia quando nascemos e
que estamos perpetuando. Esse pacote permitiu à humanidade coisas grandiosas, porém
não temos conseguido dar respostas a problemas relativamente simples, o da
fome, por exemplo, que nos parece não ser um problema de escassez material. O
problema é que, se não enxergarmos sob um prisma que exceda nosso tamanho,
nossos minutos se passarão e não teremos dado nossa contribuição para os que
virão depois de nós e que, poderão mudar a pauta e, quem sabe, se reúnam e
façam melhor que nós.
Há
potencial de crescimento econômico em diversos países, mas não paramos para
pensar se o 'modelo' de crescimento é o mais adequado. O crescimento pode vir,
mas o desenvolvimento não necessariamente. Precisamos aprender a fazer diferente
e melhor, para evitar que as próximas horas sejam de caos. É incontestável que os
Estados Unidos da América (EUA) são o baluarte do capitalismo, o modelo mundial
de sociedade 'desenvolvida' e, mais uma vez sob um ponto de vista de muitas
horas, precisamos refletir sobre o fato de que se este 'modelo' pode ser
reproduzido e sustentado por mais quantas horas.
O
que poderia acontecer se outras grandes economias quiserem adotar para si um
modelo de desenvolvimento similar ao do 'baluarte'? Se os padrões de produção e
consumo do 'baluarte' se disseminarem por muitos outros países, o que
aconteceria? Sem mudanças, sem novos rumos no processo produtivo, caso
continuemos o caminho que estamos trilhando, estaremos acelerando o processo de
catástrofes climáticas.
Precisamos
de uma nova agenda de desenvolvimento, de um novo pacote que seja construído
nos próximos minutos e que paute a atuação da humanidade para as próximas
horas, tarefa ingrata, incompreendida, que não atrai atenção popular e que não
angaria voto.
A
mudança precisa começar nas bases, nos alicerces da sociedade. Falo da
educação, da cultura, do acesso á formação é à informação, da politização. Talvez
não tenhamos minutos suficientes para ver um sistema de sociedade muito
diferente do atual, mas precisamos pensar no que queremos para os que virão.
Se
quisermos um mundo melhor, sem pobreza, menos desigual e mais livre, precisamos
nos atentar para o fato de que este mundo só será possível se pensarmos para
além dos minutos que temos.
Pode
ser contraditório, paradoxal, mas ainda acredito na humanidade. Espero que os
que estão por vir não se decepcionem tanto quanto poderão com os seus
antepassados, nós. Que possamos começar algo melhor para que os que estão por
vir o desenvolvam e desfrutem, corrigindo o que há para ser corrigido,
reformando o que há para ser reformando, jogando no lixo o que não serve mais e
renovando.
Precisamos
provar e fazer jus à “racionalidade” que dizemos que temos. Precisamos parar de
olhar só para o nosso próprio relógio, pois ele funciona por pouquíssimo tempo,
e começar a olhar para o tempo sob o ponto de vista da humanidade. As próximas
horas virão, e elas não necessariamente precisam ser cinzentas, penosas, vazias.
Se nós não fazemos as escolhas, outros farão por nós.
Roberto Rodrigues
Economista,
Especialista em Economia Social e do Trabalho, Mestrando em Desenvolvimento
Econômico junto ao Instituto de Economia da UNICAMP, Professor do ISCA
Faculdades e Economista Associado à LMX Investimentos.
rodriguesrobertto@yahoo.com.br