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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

É possível avaliar se uma gestão é progressista ou conservadora?




Antes de avançarmos no assunto em pauta, se faz necessária uma breve caracterização do que seria um governo progressista.

Emir Sader em seu Blog escreveu um ótimo texto com o título: “Quem é progressista e quem é de direita”, onde numa das suas caracterizações sobre esse universo afirma que progressistas são os governos, forças políticas e instituições que colocam o acento fundamental na expansão dos mercados internos de consumo popular, na extensão e fortalecimento das políticas que garantem os direitos sociais da população, que elevam continuamente o poder aquisitivo dos salários e os empregos formais, ao invés da ênfase nos ajustes fiscais, impostos pelo FMI, pelo Banco Mundial e pela OMC e aceitos pelos governos de direita. Entre os países da América Latina com essa caracterização, se encontra o Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Uruguai e Equador, se contrapondo ao Chile, México, Panamá, Costa Rica e Colômbia.

Avançando um pouco mais no assunto e no sentido de diferenciar das políticas neoliberais, se faz necessário entender que num país capitalista, porém com um governo progressista, se faz necessário um Estado forte, para que não fique refém do mercado, principalmente ao se buscar um equilíbrio de renda e oportunidades profissionais. Enquanto o mercado seleciona e elitiza as vagas, o Estado tem como função socializar as oportunidades, principalmente de formação e capacitação, colocando a população mais necessitada em pé de igualdade com as demais pessoas que tiveram condições diferenciadas de vida e consequentemente de estudos.

Em se pensando em Gestão Pública, aqui no Brasil o Ministério do Planejamento, através da Gespública criou o que denomina de um Modelo de Excelência em Gestão Pública. A iniciativa gerou como produto o Plano de Melhoria de Gestão, construído a partir da auto avaliação dos sete critérios que compõem o Modelo: 1) liderança; 2) estratégia e planos; 3) cidadãos e sociedade; 4) informação e conhecimento; 5) pessoas; 6) processos e 7) resultados.

O objetivo dessa iniciativa é oferecer aos gestores e à população elementos que ajudem na avaliação de um governo e se diferenciem de uma gestão apenas de resultados, onde o principal elemento seja um “choque de gestão”. Talvez quem precise de “choque” sejam alguns gestores e não a gestão. Essa necessita de um Plano de Ação com: planejamento, diagnósticos e principalmente metas construídas através de um processo participativo com os setores organizados da sociedade.

Ao ministrar o Curso Plano de Governo e Ações para Governar, pela Fundação Perseu Abramo para mais de 100 prefeituras e trabalhar a ideia de um governo com alguns elementos, ao qual denominei de marcas: governo ético, integrado, transparente e participativo, surgiu à necessidade de caracterizar, a partir de alguns elementos tecnopolíticos, o que seria um governo ideal dentro dessas marcas.

Foi com essa preocupação que resolvi arriscar em desenvolver um quadro comparativo de governos que chamei de: conservadores, em transição e progressista sustentado pelas quatro marcas descritas no parágrafo anterior.


Trata-se apenas de alguns referenciais, embasados numa breve pesquisa muita conversa com os gestores e composto por 21 Elementos Tecnopolíticos, que imagino representarem a alma de uma gestão.


Quadro de Elementos Tecnopolíticos
Comparativo a Partir do Modelo de Gestão

Elementos Tecnopolíticos
Gestão Conservadora
Gestão em Transição
Gestão Ética, Integrada, Transparente e Participava
1. Transição de Governo
Não existe
Existe de forma precária
A partir de um plano de ação, com Decreto e Lei Municipal

2. Plano de Governo
Não existe ou é desenvolvido por uma consultoria
Desenvolvido por um Grupo de Apoio Político e apresentado à sociedade sem participação
Desenvolvido por um Grupo de Trabalho a partir de reuniões participativas
3. Alianças, Composição de Governo e Apoio na Câmara
Modo Mercantilista – Apoio por troca de favores e cargos
Apoio por troca de cargos, porém com Grupo de Trabalho
Modo Programático com um Conselho Político de Governo
4. Captação de Recursos
Lobista
Lobista com uma pessoa responsável pelo Siconv
Desenvolvimento de Projetos através de Grupo de Trabalho
5. Conselhos Municipais
Consultivos
Alguns Deliberativos
Deliberativos

6. Estatuto da Cidade

Existência ignorada

Admite-se a existência, porém não e aplicado  
Pouquíssimos municípios tem o Estatuto como elemento principal da Política Urbana aplica-o na totalidade

7. Plano Diretor
Não existe ou foi elaborado por uma consultoria e somente com Audiências Públicas
Elaborado por consultoria e apresentado em Audiência Pública
Elaborado de forma participativa por regiões e com uma coordenação

8. Integração de Governo

Não existe
Apenas alguns setores trabalham integrados por necessidade
Integrado através de diversos instrumentos: Grupo Gestor, Fóruns e outros
9. Relacionamento com servidores
Ruim
Ruim
Bom e alguns servidores são convidados a compor o governo, através de Funções Gratificadas
10. Plano de Carreira para Servidores
Não existe
Não existe ou foi elaborado sem participação
Elaboração a partir de reuniões com os diversos setores e com um Grupo de Trabalho
11. Escola de Governo ou Gestão para formação dos servidores e técnicos
Não existe
Existe como intermediação com consultorias
Responsável pela formação e capacitação com o envolvimento dos funcionários
12. Orçamento ou PPA participativos
Não existem
Existem apenas nos primeiros quatro anos de governo
Existem como ferramentas essenciais de gestão com um conselho deliberativo




13. Portal da Transparência Lei Complementar 131/2009
Não existe ou apenas com informações financeiras
Existe apenas com informações financeiras e de funcionários
Existe com integração com a Lei de Acesso à Informação e com o Diário Oficial Eletrônico
14. Lei de Acesso à Informação
Lei 12527/2011
Não implantada
Em implantação ainda de forma precária
Implantação plena com os SICs, Ouvidorias e Integração do Sistema
15. Lei Anticorrupção
Lei 12846/2013
Totalmente desconhecida
Totalmente desconhecida
Conhecida, porém não implantada
16. Conferências / Fóruns / Encontros
Apenas os eventos obrigatórios
São realizados, porém sem continuidade
Integração dos eventos com os Conselhos e tarefas como desenvolvimento dos  Planos Municipais
17. Desenvolvimento Econômico e Social
Não existe como política, sem integração, porém com alguns cursos de formação técnica
Integração com alguns setores produtivos e de formação técnica e profissional
Integração através de Conselho de Desenvolvimento Econômico, Lei Geral da Micro e Pequena Empresa e Plano Municipal
18. Economia Solidária
Desconhecida, desrespeitada ou ignorada
Admite-se a existência, os integrantes são recebidos, porém sem nenhuma política pública específica
Existência de Fórum, Plano Municipal, Conselho e Fundo Municipal e Políticas específicas alinhadas com a SENAES
19. Assistência Social
Assistencialista
Assistencialista com algumas ações assistenciais
Trabalho assistencial de promoção com diversos convênios e formação profissional
20. Organização da Sociedade
Sem apoio
Convive-se com os setores organizados, porém não são chamados para a gestão
Respeito total e participação na gestão através de Fóruns e apoio à organização

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Os gestores públicos tem medo da juventude?

Imagem: fontefm.redefonte.com

No Brasil cinquenta milhões de jovens se preparam para o futuro, num país ainda repleto de desigualdades, a começar pela falta de emprego e no mundo esse número chega a um bilhão. Muitos desses jovens permanecem sem acesso a direitos básicos, como: saúde, educação, trabalho e cultura.

Do ponto de vista político, observa-se que a maior parte dos partidos não enxerga o jovem como alguém preparado para discutir seu futuro e assim a participação da juventude fica relegada ou a participação como número ou na parte de cultura e lazer. Esse fator inibe a juventude em sua parte mais nobre que é a contestação. Uma verdadeira revolução permanente. Os jovens querem discutir em pé de igualdade: valores, métodos e principalmente novas práticas.

Segundo a SNJ – Secretaria Nacional de Juventude, as práticas juvenis só entraram na pauta nacional a partir de 2005, com a implementação da Política Nacional de Juventude, sendo que essa ação política e também de gestão pública, tem registrado avanços significativos, como: o aumento do número de jovens no ensino superior, a retirada de milhões deles das condições de miséria e pobreza e a criação de mecanismos de participação social, a exemplo dos Conselhos e Conferências.

Esses avanços foram inseridos na Constituição Federal, através da Emenda 65 de 2010, que possibilitou entre outras ações a aprovação do Estatuto e do Plano Nacional de Juventude. Além disso, estados e municípios são chamados a aderirem à Política Nacional.

Apesar da Política Nacional, do Estatuto e do Plano Nacional, a maior parte das prefeituras não possui sequer uma ação definida com a juventude, como por exemplo, um Conselho Municipal e quando existe, ou é ignorado ou serve de base política (vulgo “garrafinhas”) para os partidos da base do governo.

Se for para fazer o que tem que ser feito, se faz necessário muito mais que a criação de um conselho. É necessário respeitar a juventude e enxergá-la como protagonista de seu futuro.

Com a bandalheira que se tornou à velha política, com escândalos diários de corrupção, com governos sendo formados de forma mercantilista e com a o PIG – Partido da Imprensa Golpista vendendo a ideia de que política não se discute ou ainda que os Partidos Políticos no Brasil sejam de mentirinha, é provável que os jovens não queiram de fato discutir política e nem mesmo participar ativamente dela, mas estarão de prontidão para apoiarem quaisquer ações que venham a se tornar responsáveis, como por exemplo: uma Rádio ou TV Comunitária ou na Web, um Grupo de Teatro, Dança, uma Cooperativa de Arte, uma Incubadora de Projetos Sociais e tantas outras ações.

Isso é por acaso não é participar da política? Creio que sim, apenas por caminhos novos e diferentes, se tornando algo que seduza a juventude e não tornem os jovens cada vez mais uma mercadoria a ser valorizada apenas pelo voto.

Os velhos conceitos e os velhos modelos estão sendo questionados, colocados em xeque. É necessário enxergar os porquês e estabelecer um diálogo permanente para saber de fato quais as ações contemplarão a inquietude e a vontade de inovar. Porém, sobre isso se faz necessário um comentário: os jovens não foram às ruas questionar a Política Nacional da Juventude e nem a postura da Presidenta Dilma em relação às manifestações, mas para deixar claro que querem mudanças, principalmente que não se tolera mais a corrupção e nem que essa termine em pizza quando de algum julgamento

Quem tem medo da juventude, também terá na possibilidade de interação com qualquer outro setor organizado da sociedade e assim não está preparado para governar de forma ética, integrada, transparente e participativa.

Quero expressar minha homenagem a todos os jovens que se organizam e participam.

Como dizia Che Guevara: Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.


Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

sábado, 2 de novembro de 2013

Os desafios da integração das políticas públicas


Do ponto de vista de um Plano de Governo, a integração das políticas públicas se apresenta como algo natural, a partir de uma visão simples e prática, onde em tese essa integração ocorreria, tanto pela necessidade da implantação e execução do Projeto Estratégico de Governo, contido no Plano, como pela prática de cada Secretaria no cumprimento de suas ações contidas no Projeto Estratégico.

Em regras gerais, tudo deveria ocorrer de forma natural, com a participação direta dos gestores convidados para seus devidos cargos, cientes do Plano Estratégico, com metas estabelecidas, bastando para isso um plano de ação, além de reuniões periódicas e alguns treinamentos e capacitações. A maioria delas através de consultoria contratada para esse fim, principalmente pela falta de um instrumento chamado Escola de Governo ou de Gestão.

Parece simples não é? É assim que ocorre na maioria das gestões públicas? Os gestores estão preparados para desenvolverem ações integradas e participativas? O gestor principal consegue entender  respeitar o direito de participação e de controle social?

Para os governos bem intencionados, as dificuldades começam a surgir, quando se descobre que grande parte dos gestores quer transformar seu espaço numa “caixinha de poder”, numa nova prefeitura e isso normalmente ocorre, ou pelo falta de compreensão dos compromissos técnicos, políticos e sociais que um governo democrático e popular deveria ter, ou ainda pela falta de vontade política, em cumprir normas e convenções, sem um acordo prévio. Nesse caso, a chance de dar errado é muito grande.

Outra questão importante está no fato da equipe não saber qual é o orçamento anual, qual o comprometimento do orçamento com folha de pagamento e demais compromissos. É necessário saber o que se tem e o que se pode gastar, principalmente para bem informar a população. Em geral, essas informações transitam apenas no âmbito da Secretaria de Finanças e o Gabinete do Prefeito e os demais gestores, técnicos e servidores não têm a menos ideia. Isso entre outros problemas inviabiliza a gestão do Orçamento ou do PPA participativos.

Assim como a fome que se imagina estar presente apenas na periferia ou ainda nos lugares mais pobres, onde infelizmente metade da população mundial ainda passa fome ou necessidades, esse fenômeno da falta de compartilhamento, solidariedade e integração nas instâncias de poder e que resultam em prejuízos para as políticas públicas, estão presentes bem mais perto do que se possa imaginar. Está presente, por exemplo, naquele gestor comissionado, que enxerga todo servidor como um adversário, que não o chama para entender esse o governo e tampouco para colaborar.

Os riscos e desafios constantes impostos principalmente pela transformação global impõem aos governantes, principalmente aos governos democráticos, não somente o estudo permanente no sentido de adequar o processo, mas principalmente ouvir o maior número de pessoas possíveis para que se possa construir de fato um projeto de inclusão social e de crescimento dos atores envolvidos. A integração das Políticas Públicas passa, antes de tudo por uma mudança de visão estratégica de sociedade. Da que temos para a que queremos.

Um dos maiores desafios a ser trabalhado por qualquer gestor é do ser capaz de mudar de opinião, ou seja, admitir que uma determinada Política Pública esteja errada ou perdeu a validade e que é preciso adotar uma nova. Isso impõe a necessidade de um estudo permanente, além de ouvir os setores interessados da sociedade e não me venham com o velho discurso de que o povo não está preparado. Então que tal fazer o que tem quer ser feito.

Os especialistas indicam que o primeiro passo a ser trabalhado é na melhoraria das mentes centrais do governo, assim como trabalhar no projeto político, no sentido de torná-lo participativo, através de instrumentos como: Conselho Político de Governo, Orçamento e PPA Participativos, Conselhos Gestores e Locais, Seminários, Conferências, Fóruns de Políticas Públicas e outras instancias, que tornem os atores sociais como sujeitos da história. Não podendo ser esquecido as armadilhas do senso comum, que normalmente se alinham à teoria da conspiração.   

O Governo Federal, do Governo Lula e da Presidenta Dilma, além de estabelecerem vínculos com a sociedade organizada, tem trabalhado no sentido de criar nacionalmente as Políticas, Sistemas, Planos, Conselhos e Fundos Nacionais, dando o entendimento claro de que se trata de ações compartilhadas.

A gestão de uma cidade, que inclui urbana e rural, tem que estar contida na Política Nacional de Desenvolvimento, de forma integrada e transversal com as demais políticas públicas, pois isso representa melhor aplicação dos recursos, melhor qualidade das ações desenvolvidas, como facilitará também a fiscalização por parte da população.

Para que esse processo seja eficiente, se faz necessário, entre outras coisas, que a cidade seja vista de forma matricial, porém respeitando-se os territórios, pois o que é bom para um bairro ou região poderá não ser tão necessário para outro.  Além disso, é impossível que as mudanças ocorram sem convidar os maiores interessados nessa história.

A integração das políticas públicas, aliada a uma gestão participativa, com suas diversas ferramentas, além de ser uma necessidade para uma gestão democrática e eficiente, poderá contribuir na distribuição dos recursos públicos de acordo com ordens explicitas de prioridade a partir da realidade local, além de propiciar a solução de problemas e ampliação dos serviços a partir da potencialidade de cada secretaria e cada setor específico.

Tenho muito claro de que todo o exposto acima só será possível sua implantação e consequente execução, se o governo em exercício for: ético, integrado, transparente e participativo. Do contrario é melhor continuar afirmando que governa para o povo e para isso foi eleito.


“Política se faz conversando e discutindo, não gritando...Política se faz ouvindo e somando, não subtraindo. Crescer na política é fazer simplesmente o que precisa ser feito, deixando com que os beneficiados participem com o sentimento da conquista. O mérito é de quem conquistou com o anseio. Esta é a alma da obra”. Jean Carlos Sestrem.



Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Os desafios da integração de um governo


Humanistas e militantes de diversas causas dedicam suas vidas a pensar como fazer com que o que é plantado diariamente em termos de ideias e ideais não morra e possa, além de ser cultivado, gerar mudas para que toda a humanidade possa se nutrir. É certo que para muitos, isso não passa apenas de um sonho, mas o que será do ser humano se perder a capacidade de sonhar.
Esses e outros sonhadores alimentam-se todos os dias só de pensar que sempre será possível dedicar algum tempo para melhorar a situação de quem de fato precisa e se indignam em saber que às vezes perde-se muito e se negocia tanto, apenas para se marcar uma posição ou não se afastar do poder. Por essas e outras razões, infelizmente a desigualdade acaba se tornando um fato consumado e necessita um enfrentamento constante para evitar que alguns sonhos virem pesadelos.
Ao trazer para um governo os sonhos que muitos cultivam há anos, por exemplo, o de mudar a sociedade, fazendo com que a população, principalmente a mais necessitada, seja a protagonista de sua própria história, além da complexa engrenagem que é o ato de governar, com ações produzidas peça a peça, com atores de origens diversas, de pensamentos variados e muitas vezes com objetivos e interesses bem diferentes, há uma sociedade carente repleta de pessoas que sonham, criam expectativas e depositam nos governantes, em muitos casos, sua última esperança. Assim, toda vez que um governante trai essa confiança, fere a dignidade humana.

É de se imaginar que uma das situações que pode unir a humanidade é o caos e esse caos poderia ser caracterizado pela fome, que em regras gerais nega existência de grande parte da humanidade. Porém, o que se enxerga é um caminho distante para que a fome represente apenas um pesadelo do passado. O sonho de mudar essa realidade está presente apenas no imaginário e às vezes na prática, de um pequeno número de pessoas comprometidas com um novo amanhã. O Governo Federal fez uma parte dessa história, criando programas para o fim da miséria, porém o grande desafio será a redução drástica da pobreza, que alimenta diariamente as desigualdades.

O poder existente num governo, que muitos imaginam ter, representa apenas um empréstimo cedido pelo povo e por um curto espaço e tempo. Além disso, o tempo, que é senhor da razão, avisa diariamente, que o bonde da história acabou de sair e todos estão a bordo. Sábio será aquele que usar o tempo da viagem para apreciar a paisagem, consertar o que necessita reparos, convidar o povo que encontra no caminho e quem caminha ao lado, porém a pé, para juntar-se ao grupo, fazendo com que a caminhada seja mais prazerosa.

Integrar um governo, do ponto de vista de unificar sua linguagem e suas ações, não é uma tarefa fácil, pois não é só fazer parte dele, mas fazer com que esse governo caminhe na mesma direção e para isso necessita uma luta constante contra a vaidade e interesses individuais, além de um projeto consistente construído a várias mãos.

Parece simples, porque é tão difícil? Uma possível resposta sugere uma nova cultura, algo que transforme cada “caixinha de poder” numa peça fundamental do projeto unificado de governo, que leve em consideração o fato da maioria dos colaboradores serem de origens diferentes e às vezes com poucos conhecimentos, em metas estabelecidas na busca de novos conhecimentos, com o único propósito de melhorar as mentes centrais do governo, mas também todos aqueles que se dispuser a contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos e consequente melhoria também na qualidade de vida da população, em especial a população mais carente.

A militância por uma causa nos ensina, que quanto maior for à aproximação com a população, mais fácil de conhecer e se comprometer com o sonho de cada pessoa. Assim, mais vale uma ação determinada, mesmo que inconveniente, do que a convivência enganosa, onde se imagina realizar o que nem mesmo existe.

Para que se faça uma revolução nas cidades, ou seja, que se crie uma nova forma de governar, se faz necessário, antes de qualquer ação, uma mudança interior de cada gestor, que provoque a necessidade de ouvir a população em todas as suas instâncias, ter o maior número de contatos possíveis, construir novas formas de convivência, governar para fora e não para dentro e acreditar que se o povo delegou poderes, que na verdade lhes pertence, está aí a grande oportunidade de escrever ou reescrever sua história e da própria humanidade.

A integração de um governo começa no momento em cada colaborador, escolhido que foi, eleito ou nomeado para um projeto coletivo, entender que está diante de uma nobre missão e para que tudo saia do jeito que a população espera é necessário sair do individual para o coletivo. Caminhar lado a lado com o povo sem medo, receio ou vergonha, de olhar para trás. Porém, isso só será possível se esse governo ao ser formado, teve como texto e contexto, uma proposta programática escrita de forma participativa, com o maior número de pessoas possíveis e não de forma mercantilista, onde só a troca alimenta os interesses de que se junta nessa situação.

Um governo só será integrado se a ação coletiva ocorrer de corpo, alma e espírito, por cada integrante desse governo, ou seja, traduzindo usando as palavras do Raul Seixas: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas um sonho que se sonha junto é pura realidade”.

Que a vida que proporcionou a oportunidade desses gestores transformarem os sonhos da população em realidade, além de fazê-los entender que a representação sem a interação com os atores de nada vale, seja senhora do tempo que lhes resta para governar e os faça operários leais dessa grande obra, que é a mudança efetiva na qualidade de vida da população e em especial a que mais precisa, para que cada um possa dizer no futuro: Valeu e Sempre Valerá! 

Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Uma outra história sobre a África


Como afirmou o Ex-Ministro Franklin Martins, ontem no segundo debate "Conversas sobre África", coordenado por Celso Marcondes do Instituto Lula (www.institutolula.org): "Somos africanos, o Brasil tem que entender isso".

Franklin Martins, dando continuidade ao trabalho que iniciou ainda como Ministro da Comunicação Social do Governo Lula e hoje como conselheiro do Instituto Lula, é o criador e apresentador da série de Documentários “Presidentes Africanos”, em exibição nos Canais Discovery Civilization e TV Bandeirante. Um trabalho de altíssima qualidade e de muitas informações, que jamais chegariam ao nosso conhecimento pela mídia tradicional.

Segundo Franklin, pelos dados levantados nos países africanos, saíram da África para outros países mais de 12 milhões de escravos, sendo mais de 4 milhões e 800 mil para o Brasil. Essa mistura Brasil-afrodescendente está no nosso DNA e como afirma Franklin Martins, sabemos mais do Japão do que da África e esse desinformação não é por acaso, faz parte do enorme preconceito ainda existente no país. Não estão incluídos nesses números os escravos mortos e nem os que foram sequestrados. Portanto, avalia-se um número muito maior. 

Ainda segundo ele, existem muitas Áfricas, muitas delas com alto grau de desenvolvimento econômico e social, porém ainda com pelo menos 20% da população, em estado de alta vulnerabilidade social. O Brasil é tido pelos africanos como a África que deu certo, enfatizado pelos resultados dos últimos dez anos de governo. 

Aproveitando essa conversa sobre a África, gostaria de comentar um trabalho que me chamou a atenção. Trata-se do trabalho realizado, sob a coordenação de Natanael dos Santos e sediado no Hotel Solar das Andorinhas em Campinas. O trabalho é centrado em duas modalidades:

O primeiro é o da Editora & Gráfica África Brasileira, com livros bem elaborados, inclusive um deles com leitura magnética para pessoas com deficiência  visual e o segundo a Aula Dramatizada Minha África Brasileira, onde um grupo de teatro interpreta a história da África no Brasil para alunos de diversos anos.

Segundo seu criador, a CIA Liberdade de Teatro, hoje também Editora & Gráfica África Brasileira, tem como propósito desenvolver e editar obras que garantam a singularidade e identidade para a inserção e conhecimento da história do negro no currículo das escolas brasileiras, em como obras que contribuam para acessibilidade.

“As obras de autoria de Natanael dos Santos – nosso autor destaque – foram criadas a partir de pesquisas cientificas e uma constante busca pela inserção do negro no contexto social, de forma a evidenciar suas contribuições culturais e tecnológicas em nossa sociedade, em defesa de que NÃO EXISTE PRECONCEITO E SIM FALTA DE INFORMAÇÃO e QUE AS NOSSAS DIFERENÇAS NÃO FAÇA A MENOR DIFERENÇA”.

“Os desafios da educação brasileira, na sua dimensão de qualidade, serão superados juntamente com as escolas, valorizando as diferenças e nunca se transformando num ambiente de reprodução das desigualdades sociais. A garantia do direito de aprender tem que ser democraticamente igual para todos".

Imagino ser uma boa pedida para as Escolas em geral, principalmente com referência à Semana da Consciência Negra e seu dia comemorado em 20 de novembro.



“Eu odeio o racismo, pois o considero uma coisa selvagem, venha ele de um nogro ou de um branco” – Nelson Mandela.


Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A militância do poder popular e o profissional de militância

Graúna e o Poder Popular - Henfil


Para as pessoas da minha geração, ou que passaram dos cinquenta anos de vida e tiveram uma vida ativa em termos de participação política e social, a palavra militância política soa de forma tranquila e como uma extensão das nossas próprias vidas, simplesmente pelo fato de que tínhamos um mal maior a ser combatido, que era a ditadura militar e contra ela todos se juntavam numa grande luta, num grande cenário coletivo nacional. Porém, nos dias de hoje a militância por uma causa virou uma opção de poucos, substituída pela militância profissional.


Ser militante é estar inserido no contexto de uma causa, na defesa intransigente das convicções políticas, sociais e principalmente humanitárias dessa causa, na defesa da vida, tendo como principal elemento um projeto coletivo e não pessoal. É algo que requer um trabalho em grupo e principalmente disposição para um trabalho voluntário. Não existe militante assalariado, a não ser que o grupo delibere a necessidade de liberação de um “quadro político”, para ampliação do trabalho.

Em 2010, próximo das eleições, a revista Isto É, numa das edições de julho, trouxe uma reportagem com o título “Profissão: militante”. A reportagem afirmava que o antigo modelo de militância política não existe mais, pois os partidos lançam às ruas batalhões remunerados. Tendo a discordar em parte da reportagem, pois existem evidências de que ainda há um grande contingente de pessoas que dedicam grande parte de suas vidas à militância política e sonham com uma mudança efetiva da sociedade, onde homens, mulheres, negros, brancos, pessoas com e sem difidência, desfrutem de direitos e oportunidades iguais, porém por outro lado, muitos militantes do passado se apaixonaram pelo poder e trocaram suas causas coletivas por interesses pessoais.

Após esse breve relato gostaria de chamar a atenção para algo que considero ainda mais grave do que a ausência de uma causa que dê vida à militância política para muitas pessoas, que é o poder exercido pelos mandatos, de qualquer cargo público, em todas as esferas: municipal, estadual ou nacional. Esse fato acontece praticamente em todos os partidos. É claro que a coisa é mais complicada nos partidos conservadores, porém é uma prática que não isenta os partidos de esquerda, pois o poder de um mandato alimentado por algumas troca de favores, garante um batalhão remunerado para as próximas eleições  e a certeza para muitos da reeleição.

O que dá para se notar é que onde o poder do mandato atua de forma intransigente, desaparece o poder do partido, confundindo a cabeça dos militantes e colaborando cada vez mais para a afirmação feita pela mídia conservadora, de que não existem partidos políticos no Brasil e sim legendas de aluguel, para cumprir um papel na democracia e abrigar grupos políticos e seus interesses. Verdade ou mentira? Infelizmente em alguns casos isso é quase uma verdade absoluta.

No caso do Partido dos Trabalhadores, essa polêmica está presente na disputa do PED (Processo de Eleição Direta), onde todos os candidatos a presidente nacional do partido promete combater e colocar o partido acima dos mandatos, porém, apesar do esforço de todos, sabemos que não será uma tarefa fácil, mesmo porque se trata de algo cultural, que perpassa as questões políticas, onde os eleitos passaram a enxergar seus mandatos como uma profissão. A aprovação no IV Congresso de que nenhum eleito ao legislativo, a partir do Congresso, em qualquer esfera, poderá ter mais do que três mandatos e dois no caso do senado, disciplina o fato de não tornar os cargos eleitos em profissão, além de forçar os legisladores a criar um link com a sociedade, tanto no exercício do mandato, como principalmente para depois, no caso de alguém que enxerga o mandato como uma passagem para uma próxima etapa. 

Quem defende essa prática de mandato com poder absoluto, também defende que só tem força na disputa política quem tem “garrafinhas” para contar. Sabe quem são as garrafinhas? O povo, que mesmo sem participar do processo decisório,  é assediado para votar. 

Acredito que só após uma profunda Reforma Política, amplamente discutida com a população e a efetiva participação da sociedade em todas as decisões políticas, poderá fazer com que se moralize a política e o uso dos recursos públicos. Só o poder popular pode conduzir e mediar o que é melhor para a população, principalmente a mais necessitada. 

Para finalizar, reproduzo uma belíssima frase de um filósofo político anglo-irlandês, chamado Edmund Burke: “Quanto maior é o poder, mais perigoso é o abuso”.



Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A diferença de uma gestão participativa daquelas que o gestor principal quer ser maior que seu povo

Figura: barradaestiva.ba.gov.br

Hoje estive na Prefeitura de São Bernardo do Campo e tive acesso a uma revista muito bem elaborada a respeito da prestação de contas do PPA – Plano Plurianual Participativo para 2014 a 2017.  O processo e o resultado traduzem exatamente o que sempre imaginei.

Apenas como informe para quem ainda não tem muita habilidade com esse instrumento, vale dizer que o PPA está previsto no Artigo 165 da Constituição Federal e regulamentado pelo Decreto 2.829 de 29 de outubro de 1998. Trata-se de um instrumento de planejamento, onde consultas, estudos e prospecções, compõem o cenário para estabelecimento das diretrizes para um período de quatro anos de governo.

Começar pelo PPA facilita o processo de entendimento da população, como também de remanejamento de recursos, caso necessite. Alem disso é necessário que os gestores entendam do que se trata.

O diferencial nessa história é o método. Fazer com a população. Criar junto e seguir a risca o lema do PPA Participativo de São Bernardo do Campo: “Juntos fizemos muito. Juntos faremos ainda mais”.

No meu caso, o mais importante foi pegar nas mãos uma obra completa. Algo com vida, pois representa a materialização de milhares de pessoas que participaram das principais decisões e propostas ali contidas.

Aliás, só consegue entender o que estou falando, quem participou ou participa de algum setor da sociedade em busca de seus direitos, não esquecendo que só se luta por direito quem de alguma forma seus direitos foram suprimidos.


A participação é algo tão necessário, que não consigo respeitar um governo que se esconde atrás de velhos vícios para negar o que é de direito da população.


Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Trabalho - Cidadania - Política: uma questão de gênero

Patricia Rodrigues *


A noção moderna de trabalho foi dada pela economia política clássica e nos leva a duas definições. A primeira definição nos remete a uma discussão antropológica de trabalho como característica da ação humana. Para Karl Marx (1818-1883) o trabalho é um ato que se passa entre homem e natureza, onde o homem coloca em movimento sua inteligência e força a fim de transformar as matérias da natureza lhes dando uma forma útil.  Ao mesmo tempo em que age sobre a natureza exterior modificando-a ele modifica sua própria natureza desenvolvendo suas faculdades.

A segunda definição nos remete ao caráter histórico/social do trabalho, que parte do fato de que as trocas entre homem e natureza se produzem em determinadas condições sociais que definem o modo de produção no tempo histórico.

É sobre a perspectiva histórico/social que quero abordar a questão de gênero, ou mais precisamente das mulheres, a partir da noção de trabalho assalariado. Problematizo aqui o conceito de “divisão sexual do trabalho” como um dos problemas chaves da participação da mulher na vida pública, política, no mundo do trabalho e como sujeito de direitos.

A divisão sexual do trabalho é a forma da divisão do trabalho social que decorre das relações sociais de sexo e sua forma é adaptada historicamente e em cada sociedade, tem como característica a destinação prioritária dos homens a esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva.

O atual modelo de produção se baseia na negação do trabalho reprodutivo ou doméstico como trabalho produtivo e o nosso sistema se equilibra inviabilizando as atividades que sustentam esse trabalho produtivo – cuidados com as roupas, alimentação, apoio emocional, etc.

A dicotomia trabalho produtivo e reprodutivo está na raiz da desigualdade entre homens e mulheres e produz a separação entre o que é esfera pública e privada. O privado fica reservado assim a esfera doméstica cabendo aí o papel da mulher e a esfera pública está relacionada ao mundo do trabalho produtivo, da política e ao papel do homem como provedor. As relações sociais de sexo ou o conceito de divisão sexual do trabalho permitem dessa forma esclarecer que o tempo do trabalho assalariado ou remunerado é na verdade condicionado pelo tempo do trabalho doméstico e de cuidados não remunerado.  Desse modo, as questões que se relacionam a ocupação das mulheres nos espaços públicos e políticos não podem estar apartadas da discussão sobre a divisão sexual do trabalho que não se resume na separação entre esfera reprodutiva versus esfera produtiva, posto que dentro da própria esfera produtiva há divisão do trabalho entre as tarefas femininas e masculinas.

Mas a divisão sexual do trabalho também não pode ser considerada mera divisão de funções sociais, uma vez que está estruturada sobre um sistema de opressão, desigualdade e de relação de poder, fatores que tem implicações na construção e na forma de organização espaços públicos bem como na constituição da própria noção de cidadania nos Estados modernos, formados com base nessas relações assimétricas.

Relacionando isso à formação dos Estados de bem-estar-social, percebemos uma verdadeira assimetria de gênero desde sua constituição uma vez que se constituíram com base no modelo de trabalho produtivo feito pelos homens, portanto homens disponíveis ao trabalho assalariado e delegava às mulheres a maior parte do trabalho reprodutivo. Não se trata somente de garantia ou não de direitos aos trabalhadores, mas o fato de que a constituição da própria cidadania nos estados de bem-estar-social é “frágil” e limitada porque constituída com base em um modelo que reforça as desigualdades a partir da reafirmação da divisão sexual do trabalho.
Em muitos países, como no Brasil, a entrada das mulheres no mercado de trabalho não só não resolveu as desigualdades entre homens e mulheres como reforçou a divisão sexual do trabalho, mantendo o padrão de desigualdade em relação a remuneração e aos postos ocupados por elas, e ao entrarem massivamente no mercado de trabalho, as mulheres continuam cumprindo as funções do trabalho produtivo e reprodutivo de modo simultâneo, sem que necessariamente haja compartilhamento das funções domésticas.

Um estudo realizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) revela que a jornada de trabalho média dos homens é de 43,4 horas por semana, enquanto a das mulheres é de 36 horas. Ao todo, durante a semana, a jornada de trabalho feminina chega a 58 horas, enquanto a masculina atinge 52,9 horas. Ao somar o tempo que elas dispendem para o cuidado dos filhos e das tarefas domésticas, o tempo de trabalho das mulheres supera o dos homens em cinco horas por semana, o que significa dizer que as mulheres trabalham dez dias a mais por ano que os homens.

Com o aumento da renda das famílias, aumentou a demanda pelos serviços da trabalhadora doméstica, esse setor hoje emprega mais de 6,7 milhões de mulheres contra 500 mil homens, o que coloca o Brasil como o maior mercado de mão de obra doméstica do planeta. Há como agravante o fato de nossos espaços e serviços públicos não responderem à necessidade de compartilhar o trabalho reprodutivo, há um déficit de equipamentos como creches, escolas em período integral como em serviços de saúde e apoio a idosos, restaurantes e lavanderias coletivas.

Um avanço importante nesse sentido foi a aprovação da Emenda Constitucional 72/2013, conhecida como PEC das Domésticas, que garante os mesmos direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas.

Um dos argumentos que aparece tanto do lado de quem critica como de quem defende a PEC é a alegação de que o espaço doméstico não é produtivo, não gera riquezas. Outras pessoas afirmam que com a aprovação da PEC haverá milhares de demissões, gerando uma “crise do cuidado”. A crise do cuidado é o termo que vem sendo utilizada para tratar de uma série de temas que têm como consequência a recusa feminina em trabalhar de graça.

A aprovação da PEC na verdade coloca em pauta a estrutura e dinâmica do trabalho doméstico na nossa sociedade e permitem romper o ciclo que transfere a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados sempre para as mulheres. A equidade de direitos entre trabalho doméstico e outras formas de trabalho é um passo importante na conquista de diretos e equiparação das trabalhadoras aos trabalhadores, tendo em vista que as mulheres continuam trabalhando mais e ganhando menos.

Isso nos remete à pergunta fundamental sobre a relação entre cidadania e a esfera pública.  Tradicionalmente supunha-se que a cidadania fosse associada à esfera pública, tanto nos direitos quanto nos deveres. Mas muitas mulheres ainda vivem grande parte de sua vida dentro de esferas privadas, domésticas, e não públicas e algumas perguntas se interpõem.

O trabalho não remunerado de cuidados é compatível com a plena cidadania da mulher nos espaços públicos? A noção tradicional de cidadania política se concentra na prática de eleições livres como meio de alcançar a democracia. Mas a presença de mulheres seria importante ou somente seu direito de votar?

No Brasil, a luta pelo direito de as mulheres votarem teve início ainda no século XIX mas constitucionalmente as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932 e somente em 2010 elegemos a primeira mulher ao posto mais alto da República.
A concorrência das mulheres em cargos políticos é, portanto, um processo muito recente na vida da democracia brasileira, que sempre contemplou um número muito maior de homens concorrendo a cargos políticos.

O Brasil ocupa hoje o 120° lugar na proporção de mulheres nos Parlamentos e, se considerarmos nossa participação nos executivos, esse ranking despenca mais ainda, tendo em vista que ainda não é obrigatório o registro na chapa de mulheres para disputa dos postos executivos. O avanço, nesse sentido, depende de que, além de concorrem às eleições, essas mulheres tenham condições reais de disputar e ganhar.

Apesar do crescimento nos últimos anos, o percentual de mulheres na política continua sub-representado, tendo em vista que apenas 8,7% de mulheres foram eleitas para os postos do legislativo na última eleição e embora representem 51,7% dos eleitores brasileiros, a participação das mulheres na Câmara dos Deputados é de 9%, número semelhante aos 10% registrados no Senado. No Poder Executivo, a situação não é diferente: das 26 capitais, somente uma têm mulher como Prefeita.

As políticas de ação afirmativas - seja por meio de estabelecimento de cotas que garantam mecanismos partidários de mais mulheres na direção, seja por meio de ações que obrigam que pelo menos 30% de mulheres estejam registradas nas chapas de disputas para cargos legislativos - são políticas que disputam a correlação de forças da nossa sociedade e permitem que avancemos por uma maior participação na vida política/pública, e mais do que isso, com condições de efetivar esses mecanismos e de realmente ocuparmos esses espaços de maneira paritária.

Há estudos que demonstram que as políticas relevantes, para as mulheres, são mais frequentemente implementadas pelos governos quando as mulheres estão presentes nos espaços de decisão, o que demonstra que somente eleições livres por si só não garantem a democracia plena e que as mulheres estejam presentes nos espaços políticos fundamentais.

Assim a presença cada vez maior das mulheres nesses espaços implica na necessidade de reestruturar completamente as relações sociais pautadas na divisão sexual do trabalho com base na reformulação e ampliação dos direitos e na constituição da cidadania feminina.


* Patricia Rodrigues – é Cientista Social formada pela USP, coordenadora do MOSCA (Movimento Social Cidadania Ativa), militante da Marcha Mundial das Mulheres e Conselheira Municipal de Juventude da Cidade de São Paulo.