Graúna e o Poder Popular - Henfil
Para as pessoas da minha geração, ou que passaram dos cinquenta
anos de vida e tiveram uma vida ativa em termos de participação política e social, a palavra
militância política soa de forma tranquila e como uma extensão das nossas
próprias vidas, simplesmente pelo fato de que tínhamos
um mal maior a ser combatido, que era a ditadura militar e contra ela todos se juntavam numa
grande luta, num grande cenário coletivo nacional. Porém, nos dias de hoje a militância
por uma causa virou uma opção de poucos, substituída pela militância profissional.
Ser
militante é estar inserido no contexto de uma causa, na defesa intransigente
das convicções políticas, sociais e principalmente humanitárias dessa causa, na
defesa da vida, tendo como principal elemento um projeto coletivo e não
pessoal. É algo que requer um trabalho em grupo e principalmente disposição
para um trabalho voluntário. Não existe militante assalariado, a não ser que o
grupo delibere a necessidade de liberação de um “quadro político”, para
ampliação do trabalho.
Em
2010, próximo das eleições, a revista Isto É, numa das edições de julho, trouxe
uma reportagem com o título “Profissão: militante”. A reportagem afirmava que o
antigo modelo de militância política não existe mais, pois os partidos lançam
às ruas batalhões remunerados. Tendo a discordar em parte da reportagem, pois
existem evidências de que ainda há um grande contingente de pessoas que dedicam
grande parte de suas vidas à militância política e sonham com uma mudança
efetiva da sociedade, onde homens, mulheres, negros, brancos, pessoas com e sem
difidência, desfrutem de direitos e oportunidades iguais, porém por outro lado,
muitos militantes do passado se apaixonaram pelo poder e trocaram suas causas
coletivas por interesses pessoais.
Após
esse breve relato gostaria de chamar a atenção para algo que considero ainda
mais grave do que a ausência de uma causa que dê vida à militância política
para muitas pessoas, que é o poder exercido pelos mandatos, de qualquer cargo
público, em todas as esferas: municipal, estadual ou nacional. Esse fato
acontece praticamente em todos os partidos. É claro que a coisa é mais
complicada nos partidos conservadores, porém é uma prática que não isenta os
partidos de esquerda, pois o poder de um mandato alimentado por algumas troca de favores, garante um batalhão remunerado para as próximas eleições e a certeza para muitos da reeleição.
O
que dá para se notar é que onde o poder do mandato atua de forma intransigente, desaparece o poder do
partido, confundindo a cabeça dos militantes e colaborando cada vez mais para a
afirmação feita pela mídia conservadora, de que não existem partidos políticos
no Brasil e sim legendas de aluguel, para cumprir um papel na democracia e
abrigar grupos políticos e seus interesses. Verdade ou mentira? Infelizmente em alguns casos isso é quase uma verdade absoluta.
No
caso do Partido dos Trabalhadores, essa polêmica está presente na disputa do
PED (Processo de Eleição Direta), onde todos os candidatos a presidente
nacional do partido promete combater e colocar o partido acima dos mandatos,
porém, apesar do esforço de todos, sabemos que não será uma tarefa fácil, mesmo
porque se trata de algo cultural, que perpassa as questões políticas, onde os
eleitos passaram a enxergar seus mandatos como uma profissão. A aprovação no IV Congresso de que nenhum eleito ao legislativo, a
partir do Congresso, em qualquer esfera, poderá ter mais do que três mandatos e
dois no caso do senado, disciplina o fato de não tornar os cargos eleitos em
profissão, além de forçar os legisladores a criar um link com a sociedade, tanto no exercício do mandato, como principalmente para depois, no caso de alguém que enxerga o mandato como uma passagem para uma próxima etapa.
Quem
defende essa prática de mandato com poder absoluto, também defende que só tem força na disputa política quem
tem “garrafinhas” para contar. Sabe quem são as garrafinhas? O povo, que mesmo
sem participar do processo decisório, é assediado para votar.
Acredito
que só após uma profunda Reforma Política, amplamente discutida com a população e a efetiva
participação da sociedade em todas as decisões políticas, poderá fazer com que se
moralize a política e o uso dos recursos públicos. Só o poder popular pode conduzir e mediar o que é melhor para a população, principalmente a mais necessitada.
Para finalizar, reproduzo
uma belíssima frase de um filósofo político anglo-irlandês, chamado Edmund Burke:
“Quanto maior é o poder, mais perigoso é
o abuso”.
Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo
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