Crescemos
ouvindo que política não se discute, que política é para os políticos, que só
conseguem se eleger quem é do ramo da política e principalmente quem tem
dinheiro, pelo fato do alto custo de uma campanha. Nos dias de hoje ouvimos que
todo político é ladrão e bom mesmo é que é privado.
Depois
de ouvir que só tem prestígio e poder quem tem “garrafinhas” para trocar, sendo
as “garrafinhas” as pessoas ligadas a determinado político, ouvi algo ainda
pior: o mundo da política não é para fazer amigos e sim fazer o que tem que ser
feito. É claro que não vejo assim, não concordo com isso e conheço inúmeras
pessoas que também não. O mundo da política é para todos. Para desconstruir as
farsas criadas e para construir uma sociedade justa, fraterna e igual, onde a
maior ideologia seja a solidariedade.
No
curso que tenho feito nas diversas prefeituras do país, tenho promovido um
forte debate sobre algumas marcas que a meu ver seriam importantes que um
governo construísse e deixasse ao seu término. Os participantes tem se dividido
quanto às impressões. Uns defendem ser possível trabalhar essas marcas e deixa-las
para a história, mesmo que não sejam absorvidas pelos próximos governos e outros
têm afirmado serem impossíveis, principalmente pelo formato de disputa
eleitoral existente e como se compõe a maioria dos governos.
Com
o sentido de polemizar, levo à discussão algumas marcas que imagino ser
possível implantar e conceber: um governo ético, integrado, transparente e
participativo. O conjunto delas abrange um universo onde os gestores, uma vez
adotando-as como meta e princípios de governo, não teriam problemas com a
sociedade, com seus pares e muito menos com a justiça.
Ao
explorar cada uma delas fica evidente que o mundo da política e o mundo do
poder necessitam urgentemente serem modificados. Faz-se necessário que os
principais atores interessados, excluídos do processo, decidam para onde
caminha o mundo da gestão e também o da sociedade. Não é possível um ser humano
e seu grupo decidir os rumos de uma cidade, do estado e da própria nação.
Vale
salientar, quebrando esse paradigma, que o Ex-Presidente Lula realizou 74
Conferências Nacionais e a Presidenta Dilma vai à mesma toada. Ou seja, de
alguma forma, governando com a população. Mesmo assim, muitas pessoas que
estiveram nas Conferências Nacionais, representavam elas próprias, ou ainda não
deram feedback para os seus representados, justamente pelo processo cultural
que envolve a representação e a participação.
A
coisa fica um pouco mais complicada, quando conversamos com um prefeito da Região
Metropolitana de Campinas, que fez uma ótima gestão, que se elegeu com um gasto
de campanha irrisório e se reelegeu apenas com a impressão de um jornal. Na
conversa com outro prefeito, o prefeito citado perguntou quanto tinha custado a
campanha do segundo prefeito e ficou espantado quando ouviu que tinha custado
dez vezes mais que a sua. Esse gasto de campanha deve ter saído de algum lugar.
Nessa
história das marcas, a ética sem dúvidas é a mais relevante. O que pode ser um
governo ético, entendendo a ética como um valor absoluto? Imagino que em primeiro
lugar seria aquele governo que tratasse os recursos públicos como algo sagrado,
onde qualquer transação financeira, mesmo que fosse para garantir a permanência
desse governo no poder, ou seja, sua continuidade estaria descartada.
Passado
algum tempo daquela conversa com o prefeito da RMC, consigo refletir sobre o
tamanho do problema que apresento para debate. Como pode um governo ser ético
tendo que fazer “caixa 2” para as eleições, no sentido de se tornar competitivo?
Como pode um governo ser integrado quando seu governo foi concebido de forma
mercantilista, a base de troca: cargo por apoio? Como pode um governo ser transparente
se não pode revelar os bastidores do poder? Como pode um governo ser
participativo se a população tem que ser afastada para não saber a verdade?
A
partir dessa constatação chegamos a algumas conclusões: ou mudamos o processo ou
o cenário será o mesmo. Ou envolvemos a população de fato e de direito, na
construção dos Planos de Governo, na formulação das políticas públicas ou não podemos falar em governo democrático.
Ou mudamos o mundo da política, com a ampla participação da sociedade, em todos
seus segmentos, a partir da formação, ou jamais teremos uma sociedade consciente
que use seus direitos em benefício da própria sociedade.
Finalizo
afirmando que se faz necessário criar uma rede da boa governança, de bons
governos, que traz a população junto, que promove as lideranças, que não tem
medo de conselhos deliberativos, no sentido de fazer o enfrentamento necessário
e a catarse (purificação) de toda promiscuidade que contamina todos aqueles que
enxergam o ato de governar como um meio para as mudanças efetivas da sociedade
e não como um fim em si mesmo.
O que mantém a sociedade viva são os sonhos que a alimenta.
Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro1608@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário sobre o Post