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domingo, 15 de dezembro de 2013

Quais as marcas que um governo deveria deixar ao sair?


Crescemos ouvindo que política não se discute, que política é para os políticos, que só conseguem se eleger quem é do ramo da política e principalmente quem tem dinheiro, pelo fato do alto custo de uma campanha. Nos dias de hoje ouvimos que todo político é ladrão e bom mesmo é que é privado.

Depois de ouvir que só tem prestígio e poder quem tem “garrafinhas” para trocar, sendo as “garrafinhas” as pessoas ligadas a determinado político, ouvi algo ainda pior: o mundo da política não é para fazer amigos e sim fazer o que tem que ser feito. É claro que não vejo assim, não concordo com isso e conheço inúmeras pessoas que também não. O mundo da política é para todos. Para desconstruir as farsas criadas e para construir uma sociedade justa, fraterna e igual, onde a maior ideologia seja a solidariedade.

No curso que tenho feito nas diversas prefeituras do país, tenho promovido um forte debate sobre algumas marcas que a meu ver seriam importantes que um governo construísse e deixasse ao seu término. Os participantes tem se dividido quanto às impressões. Uns defendem ser possível trabalhar essas marcas e deixa-las para a história, mesmo que não sejam absorvidas pelos próximos governos e outros têm afirmado serem impossíveis, principalmente pelo formato de disputa eleitoral existente e como se compõe a maioria dos governos.

Com o sentido de polemizar, levo à discussão algumas marcas que imagino ser possível implantar e conceber: um governo ético, integrado, transparente e participativo. O conjunto delas abrange um universo onde os gestores, uma vez adotando-as como meta e princípios de governo, não teriam problemas com a sociedade, com seus pares e muito menos com a justiça.

Ao explorar cada uma delas fica evidente que o mundo da política e o mundo do poder necessitam urgentemente serem modificados. Faz-se necessário que os principais atores interessados, excluídos do processo, decidam para onde caminha o mundo da gestão e também o da sociedade. Não é possível um ser humano e seu grupo decidir os rumos de uma cidade, do estado e da própria nação.

Vale salientar, quebrando esse paradigma, que o Ex-Presidente Lula realizou 74 Conferências Nacionais e a Presidenta Dilma vai à mesma toada. Ou seja, de alguma forma, governando com a população. Mesmo assim, muitas pessoas que estiveram nas Conferências Nacionais, representavam elas próprias, ou ainda não deram feedback para os seus representados, justamente pelo processo cultural que envolve a representação e a participação.

A coisa fica um pouco mais complicada, quando conversamos com um prefeito da Região Metropolitana de Campinas, que fez uma ótima gestão, que se elegeu com um gasto de campanha irrisório e se reelegeu apenas com a impressão de um jornal. Na conversa com outro prefeito, o prefeito citado perguntou quanto tinha custado a campanha do segundo prefeito e ficou espantado quando ouviu que tinha custado dez vezes mais que a sua. Esse gasto de campanha deve ter saído de algum lugar.

Nessa história das marcas, a ética sem dúvidas é a mais relevante. O que pode ser um governo ético, entendendo a ética como um valor absoluto? Imagino que em primeiro lugar seria aquele governo que tratasse os recursos públicos como algo sagrado, onde qualquer transação financeira, mesmo que fosse para garantir a permanência desse governo no poder, ou seja, sua continuidade estaria descartada.

Passado algum tempo daquela conversa com o prefeito da RMC, consigo refletir sobre o tamanho do problema que apresento para debate. Como pode um governo ser ético tendo que fazer “caixa 2” para as eleições, no sentido de se tornar competitivo? Como pode um governo ser integrado quando seu governo foi concebido de forma mercantilista, a base de troca: cargo por apoio? Como pode um governo ser transparente se não pode revelar os bastidores do poder? Como pode um governo ser participativo se a população tem que ser afastada para não saber a verdade?

A partir dessa constatação chegamos a algumas conclusões: ou mudamos o processo ou o cenário será o mesmo. Ou envolvemos a população de fato e de direito, na construção dos Planos de Governo, na formulação das políticas públicas  ou não podemos falar em governo democrático. Ou mudamos o mundo da política, com a ampla participação da sociedade, em todos seus segmentos, a partir da formação, ou jamais teremos uma sociedade consciente que use seus direitos em benefício da própria sociedade.

Finalizo afirmando que se faz necessário criar uma rede da boa governança, de bons governos, que traz a população junto, que promove as lideranças, que não tem medo de conselhos deliberativos, no sentido de fazer o enfrentamento necessário e a catarse (purificação) de toda promiscuidade que contamina todos aqueles que enxergam o ato de governar como um meio para as mudanças efetivas da sociedade e não como um fim em si mesmo.

O que mantém a sociedade viva são os sonhos que a alimenta.

Como afirma Yehezkel Dror: “É necessário uma mistura de visões utópicas e realistas para estabelecer objetivos que “estiquem” a governância (ato de governar a várias mãos) para além do que parece possível...Por essa razão, a reflexão política deve ser acompanhada de sonhos, embora a distinção entre ambos deva ser obviamente mantida”.


Antonio Lopes Cordeiro
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Laboratório de Gestão e Políticas Públicas - Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro1608@gmail.com

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