Lembro que era um domingo de manhã, na Rua dos Vianas, próximo ao Paço Municipal de São Bernardo do Campo, final da década de 80, na sede da Associação Comunitária. A casa estava cheia e dentro pessoas das mais diversas origens da cidade, com um sonho em comum: sonhar com o direito de morar. Alguns rostos tristes, olhares distantes e um enorme ponto de interrogação: será?
Eu e a Silvana buscando um porto seguro para se morar, resolvemos entrar naquele projeto, primeiro por fazer parte da luta por moradia, pois também éramos sem-teto e segundo porque jamais ocorreria algo naquela cidade, naquele momento, que de alguma forma eu não fizesse questão de estar junto.
Foi um começo difícil, pois sabíamos que estávamos sendo usados, por um grupo que estava a criar um novo partido político na cidade e logo após a denominação do grupo, que recebeu o nome de Novo Horizonte, pela grande quantidade de pessoas nascidas em Minas Gerais, resolvemos criar uma carreira solo para o grupo e nos afastar dos organizadores, mesmo sabendo que teríamos alguns problemas
Na época não havia política habitacional nas três esferas de governo e não tínhamos recursos para comprar uma área, mas tínhamos colocado na cabeça, que era possível de forma coletiva e assim íamos nos reunindo todos os domingos, mesmo sem saber se conseguiríamos, se daria certo ou até quando íamos conseguir manter o grupo unido somente com e pelo sonho e ter onde morar.
O tempo ia se passando e a diretoria criando argumentos, organizando eventos e participando de todos os acontecimentos habitacionais, mesmo a contra gosto de muita gente que se achava usada, porém isso na prática não ocorria, pois monitorávamos todas as possíveis ameaças de falsas aproximações.
Após visitar diversos outros mutirões e projetos, inclusive uma ida do companheiro Durval Lopes no Uruguai para conhecer os projetos e participar de várias atividades, surgiu uma área inclinada, em frente ao antigo Clube da Volkswagen, com um custo alto para terraplanagem e principalmente sem ajuda de nenhum órgão público.
Resolvemos comprar a área por 31.600.000 (Tinta e um milhões e seiscentos mil), valor da época, sendo 50 por cento de entrada e 50 por cento divididos em parcelas, corrigidas pela hiper-inflação da época, que merece outra postagem pelas engraçadas particularidades, levando o dinheiro em malas de máquinas de escrever ao banco para depositar em minha conta pessoal. Das 200 famílias que começaram na entidade, apenas 35 chegaram ao final. As que saíram foram substituídas e queriam voltar. Somente depois de dois anos de muita luta conseguirmos fazer a terraplanagem de forma paga, onde a primeira obra foi o Centro Comunitário e também a primeira casa.
Restou de tudo aquilo três coisas: 1. Como é difícil o início, o meio e principalmente o depois, pois muitos acham que é o fim. 2. Quando cremos de verdade, mesmo que alguns desistam, o núcleo central permanece vivo e agindo como numa célula, onde a vida se refaz.3. A alegria e o choro de pura satisfação daquelas pessoas que iniciaram e chegaram até o final. Valeu a pena ter nascido e vivido para contar essa história, mesmo que não tenha saído totalmente de acordo com o projeto original.
Em resumo. Caso encontre alguém com o mesmo problema que o seu, ao invés de se lamentarem para provar quem tem o maior problema, deem as mãos, caminhem juntos e paguem o preço, pois a possibilidade de vitória é praticamente certa.
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