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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sem memória, como chegar à verdade?

          Hellen Cristhyan*

Pauta de diversas disputas internas – que vão desde a forma de organização, seu caráter, publicização ou não dos relatórios – e polemica nas redes, que por um lado apresenta a pressão dos movimentos sociais que exigem respostas, e por outro aponta diversas ameaças de militares e seus co-réus, a Comissão Nacional da Verdade tem agora pouco mais de oito meses para chegar ao grande veredito.

Não será fácil. A começar pela Lei de Anistia Política instituída no Brasil em 79, que como diz Carlos Augusto Marighella, filho do Mariguella, foi “uma anistia de araque, viciada pela idéia de que a gente deveria, de alguma maneira, perdoar os torturadores"¹. A Anistia brasileira, apesar de carecer urgentemente de uma reinterpretação, quicar de sua anulação, não encontra no Estado disposição para fazê-la.

Dar nome aos bois também tem sido uma das grandes dificuldades da Comissão. O constante emprego de codinomes pelos carnífices do povo brasileiro, por vezes o rosto encoberto (da vítima ou do agressor), as roupas a paisana (sem identificação de patentes ou farda), dificultam a memória individual e coletiva das testemunhas.

Outro grande empecilho para a memória e a verdade são as violações institucionais, como as prisões sem ordem judicial, ou qualquer tipo de registro, reiteradas vezes ocorridas, violando direitos como o reconhecimento a personalidade jurídica e o direito das famílias de saber a verdade. Além disso, o esvaecimento de diversos arquivos daquela época deixa um vácuo atormentador. Mesmo que já comprovado a constante troca de informações e documentos entre todas as instancias policiais e do governo a época, não há quem dê conta dessa queima de arquivo.

Entretanto a verdade não poderá mais ser calada. O cálice de vinho e de sangue já fora derrubado e determina que haja justiça. Os facínoras estão envelhecendo e não podemos mais esperar, ou serão apresentados laudos médicos de suas incapacidades mentais, outros já estarão mortos, assim como não duvido que algum venha a perpetrar atentado contra a própria vida. Precisamos correr contra o tempo e deflagrar a criação de Comissão da Verdade em todas as entidades, instituições e organizações. É, por dever, que as universidades brasileiras abram seus arquivos, a constituição de CV em suas instancias é inegável para se fazer saber da luta de todos e todas estudantes e de quão repressor foram os Conselhos Universitários e suas instancias.

Sistemáticas operações e instrumentos do Estado, como o Departamento de Ordem Policia e Social (DOPS), a Operação Bandeirantes (OBAN), o Destacamentos de Operações de Informação – Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e suas promiscuas relações com empresas - como o financiamento da OBAN pela FIESP - e banqueiros não poderão ficar sem a devida investigação – rápida, profunda e eficiente. O Estado, comprometendo-se os governantes, pessoas jurídicas e sociedade civil têm por obrigação abrir todos os arquivos que remetam as terríveis arbitragens da ditadura.

O trabalho da CNV não é pouco para continuarmos a dar espaço para divisões internas e conflitos entre governantes e os movimentos. Para revelar a verdade sobre nossos combatentes e seus carrascos é necessário mais do que cavar os escombros da mentira no Brasil: sob o imperativo da Operação Condor, os Estados latinos exterminaram milhares de militantes de esquerda desintegrando-os, seja fisicamente, e até de forma documental, para alguns é como se nem tivesse passado pelas mãos do Estado e continuam desaparecidos até hoje. Urge a convocação, pela Presidenta Dilma, de uma reunião com os países da America Latina e também com as famílias de desaparecidos políticos e os movimentos sociais para sanar os conflitos, dar celeridade as investigações e acabar com essa tormenta de não saber onde estão nossos grandes homens e mulheres.

Se faz necessário imediatas parcerias entre a CNV e as entidades e organizações da temática dos Direitos Humanos para que as violações possam ter sua devida sentença, com punição aqueles que cometeram ou aprovaram/consentiram a realização dos crimes, como indica a Convenção Amareicana e a Convenção Interamericana.

Apurar fatos e chegar à verdade sobre uma época em que os registros públicos eram usurpados por belicosos, e de onde a memória das pessoas foi surrupiada através de mortificações diversas, como a cadeira do dragão e choques elétricos, a luz da legislação do regime dos milicos tem sido uma das maiores empreitadas investigativas do Brasil.

Ainda hoje a policia militarizada persiste em ‘estourar’ casas e aparelhos, continuando a violência institucional e a banalização do mal que aprendem nos livros e sites como o do grupo Terrorismo Nunca Mais – TERNUMA³ que dissemina o ódio contra pessoas e organizações com ideologia de esquerda, apresenta a velha argumentação de que tudo que foi feito foi em nome da Ordem, para proteger a nação do anarquismo. Grupos como este, ainda hoje, têm suas formulações no seio de estirpes militares e se infiltram na mídia para alimentar, por exemplo, a aversão aos médicos cubanos e a qualquer política publica que venham a trazer reparo social, direitos para todos e igualdade.

Esquadrões da morte não mais passarão! É preciso apresentar a sociedade todos os fatos cometidos por esses nazi-fascistas nos anos de chumbo para que seus comparsas – vivos e com suas brilhantes patentes ainda hoje, como por exemplo, os mandantes do desaparecimento do Amarildo, no Rio, que denuncia o extermínio da população pobre, e o identificado como Capitão Bruno² no ataque arbitrário a manifestantes no 7 de Setembro, no distrito federal, não continuem matando nossa juventude enquanto protestam por mais direitos, nem jogando nossos sonhos em valas clandestinas.

O que estamos a ousar fazer, e aqui falo das famílias de homens e mulheres mortos e desaparecidos políticos, de guerreiros e guerreiras que tombaram, dos movimentos sociais, das organizações pró-direitos humanos, das Comissões da Verdade e do próprio governo, não é apenas modificar os termos e títulos da narrativa militar contada no Brasil. A CNV, e a busca da memória deste país, ajudará a reescrever a história real do nosso povo, suas pelejas, lutas e lábaros, reescreveremos os nomes das escolas, das praças, ruas, espaços públicos e a verdade virá a tona. Para que nunca se esqueça, para que jamais aconteça.




*Hellen Cristhyan estuda economia na UFSC, milita no Coletivo O Estopim e ocupa a Secretaria Geral da União Catarinense dos Estudantes - UCE.

Um comentário:

  1. Excelente texto sobre a Comissão da Verdade e os porões da ditadura. O Brasil precisa passar a limpo sua história.

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