Quando
aconteceu o Golpe de Estado de 1964, que colocou o país numa ditadura sangrenta
que duraram 21 anos eu tinha apenas nove, porém me lembro muito bem da noite daquele
dia ouvindo no rádio que o país se encontrava tomado pelos militares. Na minha
cabeça todos nós seríamos presos, só não conseguia entender o porquê.
Como
criança não tinha a menor ideia do que significava aquilo, porém no meu íntimo
sentia que não era uma coisa boa. A confirmação veio anos depois quando alguns conhecidos
comentavam que várias pessoas estavam sendo presas como terroristas e algumas
delas não voltariam jamais. Era algo assustador.
Se
fôssemos fazer uma análise fria da situação, não dá nem para imaginar o que
leva um país a sofrer um golpe de Estado, a não ser o poder a qualquer custo, onde
o clima de terror se espalha e o medo passa a ser parceiro diário de todas as
pessoas que pensam. Chegavam ao cúmulo de vender a ideia de que estudar demais
ou ler demais não era uma coisa boa, pois podia levar as pessoas a terem contato
com material subversivo.
Hoje
ao completar 50 anos daquele dia fatídico e dos tempos de trevas que vivemos,
lembro de algumas passagens como se fosse hoje. No dia 19 de setembro de 1971
eu estava no Estádio do Morumbi no jogo Palmeira e Flamengo, com um amigo que
se foi, quando foi anunciado que dois dias antes tinha sido assassinado um dos
maiores terroristas do país: Carlos Lamarca, que na verdade era mais um
guerrilheiro que lutava pela liberdade. O mais sombrio foi que parte da torcida
vibrou como se tivesse ouvido que um time adversário tinha tomado um gol. Eu lembro
que não vibrei, mas, no entanto não conseguia entender o que significava um
terrorista. Lembro apenas da sensação de medo que invadiu a minha alma.
A
voz do locutor do estádio até hoje não sai da minha cabeça. Cinco anos depois,
na minha cidade natal, Belo Jardim em Pernambuco, tinha início a minha
militância, eu me juntara a um grupo de pessoas do antigo MDB e apoiamos para
Senador Marcos Freire, que anos depois morria num estranho acidente aéreo.
A
partir de então a luta pela liberdade começa a estar presente na minha vida em
todos os momentos e teve amplitude nas Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à
Teologia da Libertação, passando pelas Pastorais da Juventude e Operária,
chegando às greves de 78, 79 e 80 em São Bernardo do Campo, até o dia que
encontrei o Partido dos Trabalhadores como um ponto de encontro de todas as
vozes oprimidas e todas as pessoas que sonhavam com a liberdade, com a justiça
e principalmente com a solidariedade.
Aquela
liberdade tão sonhada, como as águas de um rio, começava a tomar seu curso
natural, alicerçada pelas lutas de todos os setores organizados da sociedade,
onde operários, estudantes e os movimentos populares ecoavam um grito parado no
ar por mudanças profundas e pelo fim da ditadura. Era algo intenso e represado que
pouco a pouco rompia as paredes dos sombrios porões e trazia como resultado a
esperança de uma sociedade livre. Aí vieram os comícios pelas Eleições Diretas
Já em várias partes do país, que tive a oportunidade de estar em vários
momentos. Porém o da Praça da Sé e o memorável Comício do Vale do Anhangabaú
foram inesquecíveis e culminou com o início da democracia que vivemos até a
atualidade.
Hoje
com aquela liberdade que lutávamos conquistada, escrevo apenas para homenagear todos
os companheiros e companheiras que tombaram sonhando com uma sociedade livre, a
todos e todas que foram torturados e apesar da dor não delataram seus pares e aos
que deram suas contribuições, cada um à sua maneira, pois as lutas e os gestos
de revolta também tiveram um significado particular, antes e depois do golpe. A
todos e todas: o meu respeito, minha identidade com a causa e minha total solidariedade.
É
certo que a sociedade que queremos ainda não existe. Porém é inegável o papel
da democracia como agente de transformação.
Uma das lutas nos dias de hoje é contra a possibilidade do Estado
Mínimo, onde a população carente, fruto das desigualdades capitalistas, não
fique refém do mercado, que está voltado apenas a cumprir seu papel de selecionar
os melhores e estreitar cada vez mais a pirâmide econômica.
Assim
o sonho de uma sociedade justa fraterna e igual continua tão presente como foi
no passado e quem é militante de uma causa não descansará jamais enquanto
houver em qualquer parte do país pessoas banidas da sociedade e de seus direitos
à plena cidadania.
Termino
afirmando que, mais vale uma democracia, mesmo que seja tímida, do que uma ditadura
seja ela qual for, onde apenas um grupo de privilegiados ditem as regras e
vendam à ilusão de que é necessário o sofrimento para chegarem à liberdade.
A
sociedade que sonhamos tem que ser antes de tudo humana, onde a solidariedade
seja a maior ideologia e a luta pela liberdade seja o lema maior e por ela todo
cidadão e cidadã molde seu projeto de vida.
Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Pesquisador em Gestão Pública e Social
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada
em Gestão Pública da Fundação Perseu Abramo
Coordenador do Programa de Capacitação Continuada
em Gestão Pública da Fundação Perseu Abramo
toni.cordeiro1608@gmail.com
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